Empresas já consolidadas e grandes, por vezes, esbarram no mesmo desafio: sistemas que funcionaram bem por anos, começam a se tornar lentos, difíceis de manter e limitam a capacidade de inovação.
Uma das respostas para esse problema é migrar para microserviços, uma forma de dividir a aplicação em partes menores e independentes, que podem ser atualizadas e escaladas separadamente. Isso reduz riscos, aumenta a agilidade e permite que novas tecnologias sejam incorporadas com mais facilidade.
Neste artigo, mostramos como lidamos com esse desafio em um projeto real em Java, revelando as dificuldades da transição e os ganhos conquistados com a nova arquitetura. Confira!
O ponto de partida: um monólito difícil de manter
A aplicação original havia sido desenvolvida ao longo de três anos para coletar dados de testes de dispositivos móveis, processar cálculos matemáticos e gerar relatórios com gráficos e estatísticas. Com o crescimento do sistema e da equipe, porém, sua manutenção se tornou um desafio.
A saída do líder técnico e do desenvolvedor mais experiente agravou ainda mais a situação. Sem domínio completo da lógica do código, a equipe demorava para corrigir falhas ou incluir novas funcionalidades, e qualquer modificação podia comprometer outras partes do sistema.
O tempo de build aumentava a cada nova versão e a colaboração de mais de dez desenvolvedores em um único repositório Git gerava conflitos constantes.
A decisão pela mudança
Com tantos obstáculos, era claro que insistir na arquitetura monolítica não permitiria que o sistema evoluísse no ritmo que o negócio precisava. A alternativa foi propor uma migração para microserviços, uma abordagem que oferecia a chance de recuperar a previsibilidade e abrir caminho para a escalabilidade futura.
A lógica era simples no papel: dividir a aplicação em módulos menores, cada um com responsabilidade bem definida, de forma que os desenvolvedores pudessem trabalhar em paralelo sem comprometer o restante do sistema. Isso também permitiria modernizar a infraestrutura, automatizar processos e tornar o ciclo de manutenção mais ágil e confiável.
Na prática, a proposta significava criar microserviços independentes, ou com o mínimo de dependência entre eles, cada um com seu próprio repositório Git e ciclo de vida.
O caminho da migração
A proposta de migração para microserviços foi bem recebida pela equipe, e o cliente também foi convencido da necessidade dessa mudança para garantir a evolução sustentável da aplicação.
Mas transformar a ideia em realidade não foi simples. A arquitetura de microserviços era novidade para todos no time, o que fez com que a equipe precisasse aprender ao mesmo tempo em que implementava.
O processo, inicialmente previsto para três meses, levou sete para ser concluído e mais quatro para estabilização. Nesse período, a aplicação ficou quase um ano sem atualizações, o que gerou impaciência no cliente e colocou o projeto em risco.
Entre os fatores que explicam esse atraso, destacam-se:
- A falta de experiência inicial da equipe com microserviços;
- A necessidade de substituir chamadas locais por integrações via API’s HTTP REST;
- A divisão de um banco único em seis bancos distintos;
- O aumento da complexidade no processo de versionamento e release, já que cada microserviço passou a ter seu próprio ciclo de vida.
Apesar dos atrasos e da curva de aprendizado, o projeto chegou à sua primeira versão em microserviços, um marco para a evolução futura do sistema.
A nova arquitetura
Quando a primeira versão em microserviços entrou em operação, a aplicação já era outra. O monólito em Java 8 e Spring Framework com JSF no Tomcat deu lugar a uma arquitetura distribuída, baseada em contêineres Docker, Java 11 e Spring Boot.
Essa mudança tornou os serviços mais leves, modulares e fáceis de implantar em diferentes ambientes.
O banco de dados também foi redesenhado. O MySQL, antes centralizado em uma única instância, foi dividido em seis schemas, cada um sob responsabilidade de um microserviço. Para lidar com grandes volumes de dados, novos módulos passaram a usar MongoDB, garantindo mais desempenho e flexibilidade.
A camada de interface foi modernizada com a migração de JavaServer Faces para React, trazendo mais agilidade na evolução do front-end e melhorando a experiência do usuário.
A orquestração dos microserviços passou a ser feita em Kubernetes, e novas pipelines foram criadas no Jenkins, automatizando o processo de build e deploy da aplicação, o que reduziu a dependência de processos manuais.
Esse conjunto de mudanças não apenas estabilizou o sistema, mas também abriu caminho para que ele pudesse evoluir continuamente com novas tecnologias.
O que mudou na prática

Com a nova arquitetura em funcionamento, os ganhos ficaram evidentes. O sistema deixou de ser lento e imprevisível e passou a evoluir em um ritmo estável, com entregas frequentes e mais confiáveis. Entre os principais resultados, destacam-se:
- Ciclo de releases mais ágil: com a adoção do Kanban e a possibilidade de paralelizar tarefas em diferentes branches do Git, novas versões passaram a ser liberadas a cada duas semanas. O time não precisava mais esperar o término de uma Sprint, que levava de 4 a 5 semanas, para fazer uma nova entrega;
- Maior confiabilidade: uma força-tarefa de testes elevou a cobertura de código para cerca de 80% em todos os microserviços, garantindo que alterações fossem validadas automaticamente;
- Previsibilidade nas entregas: como cada atividade impactava apenas um ou dois microserviços, os desenvolvedores passaram a fazer estimativas mais precisas de esforço e prazos. No monólito, essa previsibilidade era praticamente impossível, pois não era possível garantir que uma pequena mudança em uma parte do código não afetaria uma outra funcionalidade do sistema;
- Evolução acelerada: a modularização permitiu desenvolver diferentes funcionalidades em paralelo, reduzindo o tempo de lançamento de novas versões do sistema.
O que essa experiência nos mostrou
A migração de uma arquitetura monolítica para microserviços, apesar dos desafios e do tempo investido, trouxe ganhos significativos para o projeto.
A equipe passou a trabalhar com mais autonomia e previsibilidade, aumentando a agilidade das entregas e a confiabilidade do sistema. A aplicação, antes difícil de evoluir, ganhou flexibilidade para incorporar novas tecnologias e manter-se atualizada ao longo dos anos.
Mais do que modernizar a arquitetura, o processo evidenciou a importância do aprendizado contínuo, da colaboração e da adaptação. Projetos dessa dimensão exigem resiliência e visão de longo prazo, mas quando bem conduzidos, não apenas resolvem problemas técnicos: eles fortalecem a capacidade da organização de inovar de forma sustentável.