A transformação digital na área da saúde tem sido impulsionada de forma acelerada pela expansão da Internet das Coisas Médicas (IoMT, Internet of Medical Things). Essa rede de dispositivos e sensores médicos interconectados permite a coleta, transmissão e análise contínua de dados clínicos por meio de comunicação sem fio, viabilizando o monitoramento remoto de pacientes e o suporte à decisão médica em tempo real.
Porém, por outro lado, essa crescente interconectividade desses sistemas gera uma quantidade massiva de dados sensíveis — como os Registros Eletrônicos de Saúde (EHRs) — cuja proteção é um desafio central. Atualmente, a confidencialidade e integridade desses dados dependem fortemente de esquemas criptográficos clássicos, como RSA (Rivest–Shamir–Adleman) e ECC (Elliptic Curve Cryptography).
Contudo, com o advento da Computação Quântica e seu potencial para resolver problemas matemáticos considerados intratáveis para computadores convencionais, essas criptografias clássicas enfrentam o risco iminente de obsolescência.
É nesse contexto que a Criptografia Pós-Quântica (PQC, Post-Quantum Cryptography) surge como uma resposta estratégica para assegurar a continuidade da proteção de informações médicas em um cenário dominado por capacidades quânticas.
Este artigo visa analisar o impacto da ameaça quântica sobre a segurança dos dados de saúde e explorar como a PQC pode ser aplicada para garantir a resiliência cibernética no ecossistema da IoMT.
Vulnerabilidades Quânticas na Segurança dos Dados de Saúde
A segurança digital no setor de saúde enfrenta um novo e crescente desafio com o avanço da computação quântica, cuja capacidade de processamento poderá quebrar os sistemas criptográficos atualmente utilizados.
Dados médicos que estão vulneráveis englobam, mas não se limitam, a Registros Eletrônicos de Saúde (EHRs), resultados laboratoriais e informações de dispositivos IoMT (Internet of Medical Things). A proteção de dados médicos sensíveis depende fortemente de algoritmos clássicos que se tornarão vulneráveis diante dos algoritmos quânticos de fatoração e busca. Entre estes, dois representam ameaças particularmente significativas: o Algoritmo de Shor e o Algoritmo de Grover.
O Algoritmo de Shor e a Criptografia Assimétrica
O Algoritmo de Shor, desenvolvido em 1994, é capaz de fatorar grandes números inteiros e calcular logaritmos discretos em tempo polinomial, algo inviável para computadores clássicos. Essa capacidade mina a segurança dos esquemas de criptografia assimétrica, como o RSA (Rivest–Shamir–Adleman) e a ECC (Elliptic Curve Cryptography), amplamente utilizados em comunicações seguras, assinaturas digitais e autenticação de dispositivos médicos.
Contudo, um computador quântico suficientemente poderoso capaz de executar o algoritmo de Shor para um tamanho de cifra em uso atualmente, RSA-2048, ainda não está disponível no mercado. Além disso, o mesmo algoritmo em um supercomputador convencional exigiria milhões de anos, o que em tese exigiria poucas horas por um computador quântico dito criptograficamente relevante.
O Algoritmo de Grover e a Criptografia Simétrica/Hash
Já o Algoritmo de Grover oferece uma aceleração quadrática em buscas não ordenadas, o que afeta tanto a criptografia simétrica quanto as funções hash.
No caso da criptografia Simétrica (AES), o Grover reduz a complexidade de ataques de força bruta ao AES-256, diminuindo a segurança efetiva de 256 bits para 128 bits. Embora o AES continue resistente em níveis elevados de chave, isso implica a necessidade de dobrar o tamanho das chaves para manter o nível de proteção no cenário quântico.
No caso de funções Hash (SHA-256), o Grover também compromete a resistência à pré-imagem e à colisão, propriedades essenciais para garantir a integridade e autenticidade de dados e transações.
Implicações no Ecossistema IoMT
Dispositivos como bombas de insulina, monitores cardíacos portáteis e sensores de glicose contínuos (CGMs) utilizam algoritmos criptográficos tradicionais, mas operam com recursos computacionais e energéticos limitados, o que dificulta a adoção de mecanismos de segurança mais robustos.
Um ataque quântico bem-sucedido poderia permitir a interceptação, alteração ou falsificação de dados em tempo real, levando a diagnósticos incorretos, administrações indevidas de medicamentos ou até a falhas fatais em tratamentos automatizados.
Além disso, há o risco da ameaça “Colher Agora, Descriptografar Depois” (Harvest Now, Decrypt Later), na qual atacantes armazenam dados criptografados hoje para decifrá-los futuramente, quando os computadores quânticos estiverem plenamente operacionais.
A Criptografia Pós-Quântica (PQC)
A Criptografia Pós-Quântica representa uma geração de algoritmos criptográficos que são resistentes aos ataques de computadores quânticos, mas que operam em hardware clássico.
Diferente da criptografia quântica, que requer tecnologias baseadas em qubits, a PQC busca garantir compatibilidade e continuidade com as infraestruturas digitais já existentes, ao mesmo tempo em que oferece proteção contra as ameaças impostas pelos algoritmos de Shor e Grover.
A base da PQC está em problemas matemáticos considerados intratáveis mesmo para computadores quânticos, tais como o Learning With Errors (LWE), o Shortest Integer Solution (SIS) e o Multivariate Quadratic Problem (MQ). Esses problemas possuem uma estrutura de complexidade que inviabiliza soluções eficientes por meio de paralelismo quântico, preservando a segurança mesmo em cenários de alta capacidade computacional.
Principais abordagens da PQC
A seguir, são apresentadas as principais famílias de algoritmos pós-quânticos e seus princípios de segurança, bem como as aplicações mais relevantes no contexto da saúde digital e do IoMT:

Aplicações-Chave da PQC na Área da Saúde
A Criptografia Pós-Quântica desempenha um papel essencial na proteção dos pilares da infraestrutura digital de saúde, desde os Registros Eletrônicos de Saúde até os dispositivos IoMT e as plataformas de comunicação e integração que sustentam o ecossistema hospitalar moderno.
A seguir, são apresentadas as principais áreas de aplicação da PQC nesse contexto, com foco em segurança, eficiência e compatibilidade com sistemas legados.
Proteção de Registros Eletrônicos de Saúde
Os EHRs representam um dos ativos mais sensíveis do setor de saúde, contendo dados pessoais, históricos clínicos, resultados laboratoriais e prescrições médicas. Esses dados existem tanto em repouso (armazenados em servidores ou nuvens) quanto em trânsito (durante trocas entre hospitais, clínicas e pacientes). Por isso, eles exigem mecanismos criptográficos robustos contra ameaças quânticas, tais como:
- Troca de Chaves Segura;
- Protocolos baseados em PQC, como o CRYSTALS-Kyber
- Assinaturas Digitais e Integridade dos Dados; e
- Armazenamento e Arquivamento de Longo Prazo
A integridade e autenticidade dos registros médicos são garantidas por assinaturas digitais resistentes ao quantum, como o CRYSTALS-Dilithium e o SPHINCS+.
O Dilithium, também baseado em reticulados, apresenta um excelente equilíbrio entre segurança, velocidade e tamanho de assinatura, sendo indicado para sistemas hospitalares que requerem autenticação forte e verificação rápida.
Já o SPHINCS+, baseado em funções hash, reforça cenários que demandam robustez adicional e verificação independente de chaves públicas.
Para dados médicos que exigem preservação por décadas, o McEliece é altamente indicado. Neste conjunto encontram-se registros de histórico clínico e imagens radiológicas. Apesar de suas chaves públicas volumosas, ele oferece resiliência comprovada ao longo de 40 anos de análise criptográfica, sendo uma escolha ideal para arquivamento seguro e inalterável de EHRs.
Segurança para Dispositivos IoMT com Recursos Limitados
A Internet das Coisas Médicas (IoMT) conecta sensores, wearables, monitores cardíacos, bombas de insulina e microcontroladores hospitalares a sistemas em nuvem, ampliando o alcance da medicina personalizada. Contudo, esses dispositivos operam sob restrições severas de memória, energia e processamento, tornando a adoção de criptografia pós-quântica um desafio técnico.
O CRYSTALS-Kyber, especialmente nas variantes Kyber512 e Kyber768, tem se destacado por sua eficiência em código compacto e baixo uso de RAM, tornando-se viável para microcontroladores ARM Cortex-M4/M0. Testes experimentais mostram tempos reduzidos de encapsulamento e desencapsulamento de chaves, o que o torna ideal para aplicações médicas sensíveis ao tempo, como monitoramento contínuo de sinais vitais.
O Dilithium, na sua versão otimizada, também apresentou bom desempenho em ARM Cortex-M4, equilibrando velocidade de assinatura e tamanho de chave, o que o torna adequado para autenticação segura de sensores e dispositivos médicos portáteis.
Para superar limitações de hardware, estratégias de otimização incluem o uso de aceleração por FPGA ou ASIC, bem como arquiteturas de geração colaborativa de chaves (como o projeto Q-SECURE). Essas soluções reduzem a sobrecarga criptográfica e permitem que dispositivos IoMT operem de forma segura e eficiente mesmo em ambientes de baixa potência.
Resiliência Cibernética como Resultado da Aplicação da PQC na Saúde
A adoção estratégica da Criptografia Pós-Quântica na área da saúde representa mais do que uma simples atualização tecnológica, trata-se da consolidação de uma resiliência cibernética de longo prazo, capaz de proteger sistemas, dispositivos e dados médicos diante da inevitável evolução das ameaças quânticas.
Essa resiliência reflete a capacidade do ecossistema de saúde de manter sua segurança, integridade e disponibilidade mesmo em cenários de ruptura tecnológica e de ataque avançado. Além disso, mecanismos de encapsulamento e assinaturas digitais pós-quânticas, como Kyber, Dilithium e SPHINCS+, mantêm a confidencialidade, integridade e autenticidade dos registros, impedindo adulterações e falsificações.
Como se preparar para o futuro
A transição para a Criptografia Pós-Quântica constitui um imperativo estratégico e urgente para o futuro da cibersegurança no setor de saúde. A aceleração dos avanços em computação quântica coloca em risco os alicerces da criptografia clássica, especialmente os sistemas baseados em RSA e ECC, que há décadas sustentam a confidencialidade e a integridade dos dados médicos.
À medida que a capacidade de processamento quântico se aproxima de níveis práticos de ruptura, a dependência contínua desses algoritmos torna-se uma ameaça real à privacidade e à segurança dos pacientes.
As soluções PQC emergem como os novos pilares de uma infraestrutura de saúde quântica-resiliente. Essas abordagens oferecem proteção duradoura para os EHRs, as redes clínicas e a Internet das Coisas Médicas, assegurando que a confidencialidade e a autenticidade das informações médicas sejam preservadas mesmo diante de adversários equipados com capacidades quânticas.
Mas a adoção da PQC envolve desafios operacionais e técnicos, como o aumento no tamanho das chaves e a sobrecarga computacional em dispositivos restritos. Contudo, a integração progressiva por meio de modelos híbridos, associada à otimização de algoritmos lightweight (principalmente os baseados em lattices), delineia um caminho viável e eficiente para a migração. Essa estratégia garante compatibilidade com sistemas legados, reduz riscos operacionais e permite uma transição gradual e segura.
A ação proativa das organizações de saúde é essencial. Isso implica seguir um roteiro estruturado de adoção, que envolva a avaliação de riscos criptográficos, a implementação faseada de soluções PQC, o alinhamento com os padrões internacionais do NIST, e a capacitação técnica contínua das equipes responsáveis pela segurança da informação.





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