- 2 de February de 2021
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PLD Horário e a Transformação Digital
A partir de 2021, a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) passará a divulgar o Preço da Liquidação das Diferenças (PLD) em escala horária. Nesse artigo analisamos as implicações dessa mudança e como a transformação digital pode ajudar as empresas nesse novo desafio.
O que é PLD?
O PLD (Preço da Liquidação das Diferenças) é utilizado para precificar a energia liquidada no Mercado de Curto Prazo (MCP), mercado onde são contabilizadas as diferenças entre a energia contratada e os montantes realmente gerados ou consumidos pelos agentes da CCEE.
O PLD tem como base o Custo Marginal de Operação (CMO) que é calculado pelo Operador Nacional do Sistema (ONS). O CMO é utilizado para o despacho de energia das usinas pelo ONS, ou seja, é um indicativo do custo da energia que é utilizado pelo operador do Sistema Interligado Nacional (SIN) para decidir quais usinas acionar para atender a um incremento da demanda.
O custo de operação de uma usina depende de algumas características, além de outros fatores. Por exemplo, o custo de acionamento de uma termelétrica está ligado ao custo do combustível (que pode ser gás natural, carvão mineral, etc) e a própria eficiência da usina. Usinas hidrelétricas, por outro lado, têm seu custo fortemente atrelado ao nível dos reservatórios, assim como as projeções de chuvas da região.
O cálculo do CMO é feito pelo ONS através de modelos matemáticos e estatísticos, como o Newave e o Decomp, que permitem projetar o custo da energia ao longo do tempo. O Newave é utilizado para a projeção do custo num horizonte de longo prazo (próximos 5 anos com escala mensal) e o Decomp para o médio prazo (próximo mês com escala semanal).
Até o ano passado a CCEE utilizava as projeções de custo para calcular o PLD em escala semanal para cada submercado do sistema elétrico (norte, nordeste, centro-oeste/sudeste, sul). Toda sexta-feira era divulgado pela CCEE o PLD da próxima semana para cada submercado, dividindo os valores em três patamares de carga (alto, médio e leve) que buscavam refletir a variabilidade do consumo no período.
Porque o PLD horário está sendo implementado
No passado, a matriz energética brasileira era composta majoritariamente por usinas hidrelétricas, que eram responsáveis por mais de 90% da geração de energia do país. Hoje as hidrelétricas são responsáveis por aproximadamente 60% de nossa produção energética, de modo que temos uma participação bem maior de outras fontes de energia (como a termelétrica, solar e eólica) na composição de nossa matriz energética.
O custo da operação de usinas hidrelétricas não têm grande variação ao longo do dia, de modo que a utilização de uma escala semanal para sua precificação foi adotada no passado sem grandes problemas. Entretanto, a maior diversidade da matriz elétrica, em especial com a entrada de renováveis intermitentes como a solar e a eólica, traz maior variabilidade ao custo da energia ao longo do dia. Isso ocorre porque as fontes renováveis solares e eólicas dependem de condições do ambiente que variam bastante ao longo do dia.
Assim, para refletir melhor essa variação de custo e termos uma precificação mais adequada da energia, é fundamental a utilização de uma projeção de custos e preços com maior granularidade. Em 2020, o CMO passou a ser calculado também no curto prazo através do Dessem, um novo modelo matemático que permite a projeção de preços no curto prazo com escala horária.
A partir de 2021 o PLD passa também a ser calculado com base no custo horário da energia. Todo dia a CCEE irá divulgar o valor do PLD para cada região do país para cada hora do dia seguinte. A figura abaixo mostra o PLD horário para o submercado sudeste/centro-oeste do dia 06/01/2021. Podemos verificar que o valor máximo é 12,6% superior ao valor mínimo da energia no período, o que pode representar uma variação significativa para um grande consumidor.
PLD Horário do submercado Sudeste/Centro-Oeste (fonte CCEE)
O que muda com o PLD horário
O PLD horário tem como objetivo trazer maior realidade e precisão entre os custos de operação do sistema elétrico e os preços da energia praticados no mercado atacadista, composto por grandes consumidores de energia, como a indústria.
Essa sinalização do valor econômico da energia deverá trazer benefícios, como por exemplo, incentivar os grandes consumidores a flexibilizar o uso da energia, reduzindo seu uso em períodos mais caros. Além de possibilitar economia para os consumidores que possam flexibilizar sua produção, a redução da demanda em momentos mais críticos para o sistema elétrico também deve trazer alívio para a operação do SIN.
Os consumidores de grande porte que contratam energia no Mercado Livre (ML), também chamado de Ambiente de Contratação Livre (ACL), serão impactados pela maior granularidade no preço da energia no MCP, e esse impacto pode ser positivo ou negativo. Por exemplo, se num determinado horário o consumidor tiver uma demanda superior ao seu contrato de ML, o consumo adicional será liquidado no MCP segundo o preço do PLD daquele horário. Caso o PLD nesse horário seja superior ao preço da energia em seu contrato de ML o consumidor terá um impacto financeiro negativo. Por outro lado, caso o PLD seja inferior ao preço da energia em seu contrato de ML, o impacto financeiro será positivo.
Ou seja, o consumidor do ACL deverá conhecer a curva de carga de sua empresa, e ter previsões assertivas para a evolução dessa carga, para que possa fazer contratos de ML que tragam benefícios para sua operação. Esses consumidores deverão planejar seu consumo, com programas de resposta à demanda, e gerenciar o risco de seus contratos de energia com grande parcimônia para que possam otimizar seus custos e ganhar competitividade no mercado.
Os demais agentes do ACL, como geradores e comercializadores de energia, também poderão ser impactados pelo PLD horário, por exemplo, oferecendo novos produtos e serviços para os consumidores que levem em consideração a modulação horária da energia do contrato. Atualmente os contratos já levam em consideração a sazonalidade, ou seja, condições específicas de preço e volume da energia entregue conforme os meses do ano. A modulação permitirá também a criação de condições específicas para os horários do dia. Assim os consumidores podem realizar contratos mais aderentes a sua curva de carga, tanto do ponto de vista sazonal como horário.
Para os pequenos consumidores, como os residenciais, que fazem parte do Mercado Cativo, ou Ambiente de Contratação Regulado (ACR), não haverá impacto direto sobre a tarifa da energia, já que nesse caso são praticadas tarifas flat. Entretanto, a redução entre os valores projetados para a energia e o custo operacional real deve diminuir os Encargos de Serviço do Sistema (ESS) que são indiretamente repassados a todos os consumidores.
Como a Transformação Digital pode ajudar as empresas
Como discutido acima, o modelo da PLD horária pode trazer impactos positivos ou negativos para os consumidores de grande porte, em especial para consumidores do ML. Para que eles possam usufruir dos benefícios, é fundamental que tenham ciência de seus processos produtivos e do seu perfil de consumo de energia elétrica, de modo que possam flexibilizar sua produção para horários em que há menor custo de energia.
A transformação digital, com o monitoramento e a digitalização de processos, pode ser fundamental nesse contexto, gerando dados sobre a operação e o consumo de energia elétrica para a melhor tomada de decisões. A análise de dados (analytics) e algoritmos de otimização podem ser importantes aliados para o planejamento e monitoramento de riscos de contratos de energia. A automação também pode ser um aliado importante, criando processos produtivos mais flexíveis, que possam levar em consideração o custo horário da energia entre os demais fatores produtivos.
Para os geradores e comercializadores de energia do Mercado Livre, a transformação digital pode viabilizar a criação de produtos customizados para customizados para a necessidade de cada cliente. Por exemplo, soluções que analisam a demanda e a flexibilidade de cada cliente e recomendam automaticamente planos adequados a eles, que podem ser comprados online, de forma simples e sem intervenção humana. Podemos imaginar ainda contratos inteligentes que possam ser executados automaticamente levando em consideração cláusulas de modulação horária específicas de cada cliente, trazendo maior eficiência aos processos e reduzindo os custos de comercialização da energia.
Conclusão
Em resumo, o PLD horário representa um avanço para o setor de energia em direção a uma matriz elétrica mais diversa e com participação mais intensa de fontes renováveis.
A transformação digital será claramente uma aliada para que consumidores e demais agentes do setor possam usufruir de seus benefícios. As empresas que se prepararem poderão otimizar seus custos e ganhar competitividade em seu mercado. Os geradores e comercializadores poderão contar com produtos mais adequados que poderão atrair novos clientes.
O SIN poderá ter uma operação mais simples, com possível redução da demanda em horários mais críticos por conta da sinalização de preços.