- 8 de agosto de 2023
- Blog
Staff Engineer: protagonismo além da gestão
Na maioria das empresas de tecnologia, a escalada até o nível sênior como desenvolvedor é um caminho natural, que não requer nenhum direcionamento especial, mas tipicamente apenas acumular experiência e desenvolver as competências mapeadas. Em contraste, ser promovido além deste ponto é frequentemente uma exceção. Também é quando alguns profissionais têm a oportunidade de ingressar na carreira de gestão.
Os cargos de Staff, cada vez mais populares na indústria de software, vêm para transformar a exceção em opção, sendo o caminho natural para aqueles profissionais que querem protagonizar através da ascensão na carreira técnica, ampliando seu impacto e sua responsabilidade nas organizações ao mesmo tempo em que continuam se especializando tecnicamente.
A força gravitacional da órbita de gestão
Em 2018, encerrei um longo período sabático de quase 4 anos. Com uma bagagem de 15 anos em desenvolvimento de software, dos quais os últimos 10 haviam sido liderando equipes com vistas à carreira de gestão, voltei ao trabalho em período integral optando pela carreira técnica em uma oportunidade que recebi do Venturus.
No início, enfrentei 2 desafios importantes. O primeiro foi a readaptação técnica. Apesar de ter bases sólidas em Ciência da Computação e Engenharia de Software, as ferramentas relacionadas ao desenvolvimento de software evoluíram muito desde a minha última experiência em período integral como desenvolvedor. Estudo e dedicação me permitiram recuperar a prática em poucos meses.
O segundo desafio, no entanto, não tinha solução simples. Eu era um profissional com vivência em liderança e ótima bagagem de gestão e existe uma forte força gravitacional que atrai este tipo de profissional à órbita da carreira de gestão.
Como relatei de forma mais profunda no meu artigo “Líder protagonista, líder formador”, eu havia feito a opção pela carreira técnica pois tinha um histórico de muito sucesso como engenheiro e fazia mais sentido buscar consistência em um rumo já conhecido do que investir mais tempo tentando descobrir novos rumos.
A atração para a órbita gerencial é desencadeada a partir das recorrentes oportunidades de aplicações das competências não técnicas como forma de conseguir resultados técnicos mais efetivos, em especial em cenários complexos. Cedo ou tarde, estas competências são notadas, convites são feitos e o profissional — interessado em ampliar sua responsabilidade e impacto na organização — começa a considerar oportunidades de ascensão assumindo cargos de gestão, que tem uma trajetória bem estruturada dentro das empresas.
O obscuro eixo da carreira técnica
A ascensão no eixo técnico, por outro lado, não existe ou não tem estruturação convincente, dependendo da empresa. Além disso, os próprios profissionais técnicos experientes têm bastante dificuldade em enxergar como fazer da competência técnica uma alavanca para a operação e os negócios, justificando a existência de cargos desta natureza que sejam equivalentes aos níveis mais altos, como gerência e direção.
Se, por um lado, a carreira gerencial — ainda que desafiadora — tenha extenso material para estudo e referências servindo de mapa, a carreira técnica carece de fontes estáveis e solidificadas. Assim, cada profissional ou empresa ainda acaba tendo que reinventar a roda para resolver seus próprios problemas em estender a cadeia dos cargos técnicos.
Mesmo atraído pela órbita da carreira gerencial, nos meus primeiros anos de Venturus, eu continuei buscando exercer na plenitude as minhas competências técnicas e não técnicas, assumindo responsabilidades e entregando os melhores resultados de que era capaz tendo como base minha expertise técnica.
Colocar o trabalho em perspectiva
O interessante das competências não técnicas — elaboradas por anos com acúmulo de experiência — é que o profissional se torna capaz de colocar seu trabalho em perspectiva. Em outras palavras, ele consegue enxergar como seu trabalho se encaixa no todo e com isso tomar melhores decisões sobre como e o que fazer, maximizando o seu impacto. Além disso, ele se torna capaz de persuadir as pessoas mais poderosas sobre a importância dos resultados almejados, conseguindo acesso a recursos chave.
Em uma mistura de sorte, habilidades e esforço, tive meu trabalho notado tanto pela entrega técnica quanto pela entrega não técnica. Recebi da minha gerente responsabilidades adicionais que me permitiram atingir dezenas de pessoas dentro da conta (conjuntos de projetos e times trabalhando para um único cliente).
Responsabilidades adicionais
Uma destas responsabilidades foi a de fazer o “onboarding” de quase 15 estagiários que entravam na conta de uma única vez, como parte de uma ação tática de risco que tinha grande potencial no médio prazo, compensando a escassez de profissionais no mercado. Naquele momento, este número de novos entrantes representava cerca de 20% do tamanho da conta.
O processo de adaptação à conta — que atende uma multinacional — é íngreme mesmo para profissionais com experiência. Por isso, um mentor deveria ser atribuído a cada estagiário. Pela experiência com minha própria adaptação na conta e como mentor, percebi que tinha a oportunidade de estruturar o processo e o material disponível.
Foi possível minimizar o esforço dos quase 15 mentores com relação à transmissão de conhecimento, planejamento e acompanhamento do estagiário na sua adaptação. Os novos estagiários passaram a executar seu papel na adaptação de forma autônoma seguindo um checklist, consumindo treinamentos gravados e tutoriais escritos, tudo ordenado de forma lógica.
Com base na minha vivência técnica na conta, treinamentos adicionais foram gravados e o material escrito foi reestruturado para se adaptar a este novo formato de consumo sequencial e autônomo.
Pela minha visão, a partir destas mudanças, caberia aos mentores dedicar tempo ao contato humano e às especificidades de seus times e projetos. Porém, a maioria dos quase 15 mentores estavam assumindo esta responsabilidade pela primeira vez e percebi a necessidade de treiná-los.
Organizei uma sessão de compartilhamento de conhecimento entre os mentores mais experientes e os novos, com relatos de acertos, erros, técnicas e macetes. Esta sessão foi gravada e o material estruturado para consumo futuro por novos mentores em treinamento, seguindo o mesmo princípio de consumo autônomo, porque isso escala.
A partir da semana anterior à chegada dos estagiários — e durante todo o processo —, orientei os mentores sobre o que estava no presente e no futuro, para que eles tivessem contexto e informação para exercer sua autonomia, incluindo a necessidade de acompanhamento formal do estagiário junto ao RH.
Para o primeiro dia de trabalho, organizei uma sessão com estagiários, mentores e gestores para um primeiro contato humano e com a conta. Como estávamos em período pandêmico (isso foi no início de 2021) a sessão foi online. Na abertura, eu me conectei à sala virtual a partir do celular para exibir aos novos o caminho desde o estacionamento da empresa até nossa sala de trabalho que, após passar por um retrofit, já dava as boas-vindas ao novo normal.
Durante esta sessão, foi gravada a parte em que os gestores explicam o contexto da conta no Venturus e no cliente e até hoje esta gravação faz parte dos treinamentos essenciais para novos entrantes.
Coordenação de entrevistas técnicas
Eu acabei criando um vínculo afetivo com estes quase 15 estagiários e os acompanhei até sua efetivação como funcionários celetistas. Um fator que contribuiu para esta conexão foi o fato de eu ter entrevistado muitos deles no processo seletivo que antecedeu a sua entrada na conta.
Ainda em 2020, minha gerente havia me oferecido a responsabilidade de coordenar as entrevistas técnicas de estagiários no programa semestral de atração de talentos chamado “Jornada Venturus”. Eu topei o desafio e recebi espaço para exercer minha autonomia na concepção, planejamento e execução, coordenando ações junto ao pessoal de Recrutamento e Seleção do RH.
Foi alocado comigo um time de entrevistadores já experientes. Junto a eles, defini uma sistemática de entrevista que envolvia desenvolver em par um desafio de programação durante a entrevista, para revelar a aptidão do entrevistado para o trabalho com programação. Este é o elemento mais importante para o trabalho que fazemos na conta, com o complexo universo do Android Embarcado.
A sistemática consiste na presença de 2 entrevistadores técnicos, cada um exercendo um papel específico. O entrevistador de perfil conduz perguntas e respostas atento ao encontro de interesses entre conta, times e entrevistado e faz a checagem de inglês, enquanto o entrevistador de algoritmo conduz a programação em par.
A sistemática foi e é tão importante quanto a cultura das entrevistas técnicas. Ambos papéis envolvem conexão humana e criação de condições que façam o entrevistado gostar de vivenciar aquele momento, pois essa é a melhor circunstância para que uma entrevista tenha sucesso.
A entrevista é um momento de estresse para o candidato e o interesse genuíno do entrevistador em revelar o potencial do entrevistado foi e é uma condição inegociável. Este é o jeito Ventureiro de ser.
Ciente da sua importância, expus, reforcei e exemplifiquei a cultura de entrevistas junto aos entrevistadores, que a concretizaram junto aos candidatos com o toque especial de suas próprias habilidades e filtros de mundo.
Ambas, sistemática e cultura, contribuíram para a taxa bastante alta de acertos na seleção por aptidão e pela longevidade da relação, levando em consideração a quantidade de pessoas. Pelo menos 90% desenvolveu as habilidades técnicas necessárias e mais da metade foi efetivamente contratada como celetista por demonstrar bom desempenho.
Este método é adotado consistentemente até hoje na conta, nas entrevistas para a função de desenvolvedor. Na oportunidade da coordenação deste processo, entrevistadores de outras contas foram influenciados, incorporando a seus processos particulares parte dos elementos que criamos para a nossa conta.
O Staff é um protagonista
Após estas 2 grandes oportunidades, continuei consistentemente introduzindo melhorias sistêmicas que tiveram impacto na conta e depois no complexo projeto que assumi como Tech Lead. Estes são exemplos de atuação de um profissional de nível Staff — cargo que vem depois do Sênior no eixo técnico —, alcançando resultados únicos porque sua expertise técnica e sua visão da realidade técnica, aliados à sua visão das necessidades de negócio, o permite fazer associações bastante perspicazes.
Devido à consistência da entrega de resultados desta natureza, fui promovido no Venturus ao cargo técnico que vem logo após o Sênior, mas que, na ocasião, ainda não possuía o nome de Staff.
Evidentemente, apenas uma parte das iniciativas tem sucesso notável. Algumas causam impactos marginais ou funcionam como preparação para objetivos de mais longo prazo. Diversas delas acabam sendo abandonadas por falta de recursos ou porque o retorno deixa de justificar o investimento frente às mudanças no cenário de negócios. Outras nem saem do papel.
O fracasso é o melhor professor e só se depara com ele quem está tentando. O resultado é experiência. Experiência é a inteligência aplicada ao longo do tempo para resolver problemas concretos e é evidente que vivência e repertório são essenciais para o desenvolvimento de competências eficazes de liderança, autonomia, resiliência, visão sistêmica, visão estratégica e julgamento crítico que edificam um Staff.
O Staff é um cargo de protagonismo técnico e, portanto, requer alto grau de especialização técnica, atitude, evolução individual, capacidade de influenciar pessoas e impacto.
Nem todos os desenvolvedores seniores estarão interessados no cargo do Staff. Neste nível, o trabalho se torna progressivamente bem diferente. Nós codificamos muito menos e passamos a ter que resolver problemas bastante complexos que extrapolam o âmbito do projeto e a dimensão técnica, ainda que a expertise técnica continue sendo o alicerce.
As demandas e as oportunidades de atuação são muito mais numerosas do que temos tempo para concretizar. Por isso, precisamos de autonomia — como competência e empoderamento — para decidir em que atuar.
Frequentemente, as ações e iniciativas que causam maior impacto não são atribuídas a nós como um projeto bem delineado, mas apenas como objetivos vagos. Frequentemente, não são sequer atribuídas. Temos que buscá-las, propô-las, persuadir gestores e fundamentar seu custo benefício e seu retorno, além de na maioria das vezes executá-las nós mesmos, influenciando grupos de interesse para alcançar resultados.
Os conceitos de Staff e protagonismo são inseparáveis. Para julgar e enxergar o que pode ser feito, é necessário autonomia e visão sistêmica. Para causar impacto, é necessário resiliência e visão estratégica pois os resultados neste nível de complexidade são tipicamente observados apenas no médio e longo prazo.
O espectro de atividades, ações e papéis possíveis de um Staff é muito amplo. Tipicamente, um Staff vai desempenhar atividades muito diferentes de outros Staffs Ainda que cada profissional tenha suas preferências, a versatilidade é uma característica comum.
Conclusão
A contribuição mais valiosa do Staff é uma função, principalmente, do quanto ele cria condições favoráveis, fornece estratégias, patrocina, obtém e fornece recursos e espaço aos engenheiros, ao invés de pôr a mão na massa nas entregas diretas.
Recomendo a leitura deste artigo — e reflexão — aos profissionais técnicos seniores, para já executarem progressivamente algumas ações, que vão permitir melhor aproveitamento do potencial dos profissionais mais juniores que eles lideram, ampliando o resultado da equipe.
Recomendo também aos profissionais plenos de alto desempenho interessados em iniciar sua reflexão sobre perspectivas profissionais, evitando ascender rumo a cargos de gestão sem antes refletir.
E recomendo aos profissionais técnicos que são seniores a mais de 5 anos e que se sentem profissionalmente opacos, para que considerem iniciar uma caminhada de protagonismo na sua carreira. Nesta caminhada, eles devem ser autônomos para crescer e, dado que é uma jornada de protagonismo, tudo começa com uma decisão de se responsabilizar pelos resultados que se quer alcançar.
Nem todos os profissionais seniores estarão interessados nos cargos de Staff. Na prática, espera-se que apenas uma pequena parcela esteja. Isso não significa dizer que estes profissionais nunca mais receberão aumento salarial, pois são coisas independentes. O aumento da senioridade levará o profissional naturalmente a alcançar competência maior e melhores entregas para justificar sua ascensão nos “steps” salariais ainda como sênior.
O cargo de Staff, por outro lado, significa uma guinada na carreira para aqueles interessados em assumir maiores responsabilidades e causar maior impacto. As pessoas precisam e querem coisas diferentes para serem felizes e se realizarem. Seja da forma que for, o mais importante é que cada profissional e pessoa busque ser protagonista na sua própria jornada, rumo à sua própria concepção de sucesso.
Desenvolvedor, que a sua experiência traga sabedoria, discernimento e serenidade para que você possa fazer suas escolhas com paz de espírito, se responsabilizar por elas, evoluir, concretizar ações e realizar-se como ser humano e como desenvolvedor de software, seja como Staff, como Sênior ou como qualquer outro nome ou função que faça valer a pena as horas que você passa trabalhando, que permita a você ter uma experiência profissional gratificante e que faça você feliz.