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  • 3 de janeiro de 2020

Mobilidade elétrica e os sistemas de recarga 

A eletrificação dos meios de transporte, conhecida como mobilidade elétrica, vem se consolidando em todo o mundo como um mecanismo importante para reduzir as emissões de gases do efeito estufa e combater o aquecimento global. Grandes cidades também veem na mobilidade elétrica uma solução para mitigar os problemas de poluição causados, em grande parte, pelos motores a combustão interna dos veículos convencionais. 

Investimentos governamentais e da iniciativa privada estão sendo feitos visando não apenas atender a essa necessidade, mas também buscando os benefícios econômicos que devem acompanhar a tendência da mobilidade elétrica. Fabricantes tradicionais de veículos, assim como novacompanhias entrando no mercado automobilístico, estão anunciando a produção de veículos elétricos (VE), entretanto, os modelos elétricos ainda têm custo elevado em comparação aos veículos a combustão. 

A expectativa é que o aumento da oferta leve a uma redução dos preços que, aliada a outros fatores como incentivos fiscais (por exemplo, a isenção de IPVA para VE, já adotada em alguns estados brasileiros), deve impulsionar a demanda por veículos elétricos. Entretanto, a popularização dos VE ainda depende de outros fatores importantes, como a existência de uma infraestrutura de recarga adequada. 

Recarga de veículos elétricos 

A recarga de veículos elétricos pode ser feita em pontos de abastecimento públicos (como rodovias, postos de abastecimento, shoppings centers etc.) ou privados (nas residências). Apesar da praticidade oferecida pela recarga residencial, a existência de uma rede de abastecimento pública é entendida como essencial para garantir segurança e confiabilidade aos motoristas, reduzindo o efeito conhecido como ansiedade de recarga (do termo em inglês, range anxiety), medo de que a carga de um veículo seja insuficiente para que ele chegue ao seu destino. 

Os modelos de recarga públicos e privados autorizados, assim como as regras e condições para sua exploração comercial, são definidos pela regulamentação de cada país. No Brasil, a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), através da Resolução Normativa 819/2018, estabeleceu entre outros pontos que é permitido a qualquer interessado a realização de atividades relacionadas à recarga de veículos elétricos, inclusive para fins de exploração comercial, a preços livremente negociados. 

Assim, de acordo com a norma, tanto as distribuidoras de energia quanto outros interessados (como postos de combustíveis, shoppings centers, estabelecimentos comerciais etc.) podem atuar na prestação de serviços de recarga de veículos elétricos, o que incentiva a expansão da infraestrutura de recarga pública. 

Assim, o mercado de recarga de veículos elétricos pode ter vários players, com pontos de recarga públicos sendo oferecidos por vários tipos de estabelecimento, algo bem diferente do sistema de abastecimento de veículos a combustão, no qual o abastecimento é feito basicamente nos postos de combustíveis. 

Outros atores também têm papel importante no ecossistema de recarga, por exemplo: os fabricantes de veículos elétricos (ou OEMs, do inglês, Original Equipment Manufacturers); os fabricantes das estações de recarga (ou Charging Stations, CS); as empresas operadoras das estações de recarga (Charge Station Operators, CSOs); as concessionárias de energia elétrica, que devem prover a energia elétrica; as empresas de meios de pagamento, que devem habilitar modelos para os consumidores pagar a energia consumida etc. 

Os problemas de interoperabilidade 

A existência de vários atores, diferentes tipos de equipamentos e sistemas eletrônicos podem trazer problemas práticos ao consumidor final. Imagine um motorista que precisa fazer a recarga pública (por exemplo, durante uma viagem), mas, ao chegar a um eletroposto, identifica que o conector do seu VE não é compatível com o conector do posto de recarga. 

A padronização dos conectores pode resolver o problema acima, mas outras questões podem surgir nesse contexto. Imagine, agora, que o motorista conseguiu chegar até um posto de recarga com um conector compatível com seu VE, mas o sistema que controla o abastecimento não permite que ele habilite a recarga. Esse problema pode ocorrer, por exemplo, porque o motorista não tem uma conta junto à CSO daquele ponto de recarga. 

Além disso, também existem diferentes mecanismos de pagamento para a energia consumida — por exemplo, através de cartões RFID pré-pagos, cartões de créditos, aplicativos para smartphones etc. —, o que também pode ser um empecilho para que o motorista possa recarregar seu veículo. 

Não apenas a padronização de equipamentos (como conectores), como também a definição de protocolos de comunicação padrão, são essenciais para evitar problemas de compatibilidade e possibilitar a criação de soluções de recarga flexíveis para os motoristas. 

Padrões e protocolos de recarga 

Uma estação de recarga possui ao menos um equipamento de suprimento (ou EVSE, Electric Vehicle Supply Equipment) que, conectado ao VE através de um conector, irá comunicar-se com o sistema de baterias do VE (BMS, Battery Management System) para realizar a operação de carregamento. 

As estações de recarga podem ser de 2 tipos: recarga lenta, que utilizam Corrente Alternada (CA) e podem levar 8h ou mais para o carregamento de um veículo, normalmente utilizadas em pontos de recarga residenciais; e recarga rápida, que utilizam Corrente Contínua (CC) e podem realizar a recarga em 20 ou 30 minutos, normalmente utilizadas em eletropostos públicos.  

A tabela abaixo mostra alguns dos padrões de conectores adotados em algumas regiões (referência)Como mostra a tabela, já existem iniciativas de padronização de conectores, embora ainda haja diferenças entre regiões, essas iniciativas buscam minimizar os problemas relacionados aos conectores. 

Tabela de conectores de recarga de energia

A comunicação entre a estação de recarga (EVSE) e o veículo elétrico (BMS) pode ser feita através do protocolo PLC (Power Line Communication) ou CAN (Controller Area Network), entretanto esses protocolos estão relacionados apenas à camada física (comunicação de baixo nível), não contemplando a padronização específica do processo de recarga e dos mecanismos de pagamento (comunicação de alto nível). 

Para atender a essa demanda de compatibilidade, players do setor e órgãos de padronização tem se organizado para criar protocolos específicos para a recarga de veículos elétricos, que garantam interoperabilidade entre equipamentos e sistemas de software. Dois desses protocolos de alto nível que tem sido amplamente adotados são a ISO 15118 e o OCPP, que tem foco ligeiramente diferente, conforme ilustrado na figura abaixo. 

Fluxograma da recarga de veículo elétrico

ISO 15118 

A ISO 15118 é um padrão internacional da International Organization for Standardization (ISO), que define um protocolo de alto nível para a comunicação entre a estação de recarga e o VE.  

A norma oferece suporte a vários mecanismos de recarga, garantindo flexibilidade aos usuários de VE, dentre esses mecanismos merece destaque o “Plug&Charge” (“Conecta&Carrega”), no qual o eletroposto reconhece automaticamente o VE conectado, autorizando o processo de recarga e realizando a cobrança eletronicamente. 

O padrão também possibilita o desenvolvimento de soluções de recarga inteligente (smart charging), nas quais as recargas dos VEs são planejadas de modo a evitar sobrecarga do sistema elétrico (ou grid). Além disso, a norma também deverá contemplar, em versões futuraso envio de energia do veículo para a rede (um conceito chamado de V2G). 

OCPP 

OCPP (Open Charge Point Protocol ou Protocolo de Ponto de Recarga Aberta) é um protocolo definido pela OCA (Open Charge Alliance ou Aliança de Recarga Aberta) para a comunicação das estações de recarga com os sistemas de gerenciamento das operadoras de recarga (CSO) de VE. 

Assim, o OCPP permite que as CSO façam o gerenciamento remoto de várias estações de recarga, independentemente do fabricante do ponto de recarga, através de sistemas chamados de Sistemas de Gerenciamento de Estações de Recarga (ou CSMS, Charging Station Management System). 

A versão mais recente do protocolo (OCPP 2.0) contempla um grande número de casos de uso relacionados a gestão das estações de recarga e controle das transações de recarga, além oferecer suporte a Plug&Charge smart charging de forma compatível com a ISO 15118.  

Conclusão 

Veículos elétricos ainda são uma modalidade nova no mercado, mas com grandes possibilidades de crescimento e benefícios. No entanto, como se trata de uma nova modalidade, atrelada a novas tecnologias, ainda há muitas dificuldades na sua adoção e massificação. Umas delas é a padronização do mecanismo de recarga, que ainda não é uniforme, dos conectores dos VEs aos protocolos utilizados para as recargas. 

A ISO 15118 e a OCPP são duas normas importantes relacionadas a recarga de veículos elétricos que podem resolver problemas de incompatibilidade entre equipamentos e soluções, possibilitando a criação de soluções que tragam flexibilidade e comodidade aos usuários de veículos elétricos e viabilizando a operação desses sistemas por parte das CSOs. Os protocolos também podem ser essenciais para a criação de soluções de smart charging, que, por sua vez, podem ser fundamentais para a integração das estações de recarga ao sistema elétrico, evitando problemas como a sobrecarga do grid e garantindo o uso mais eficiente da energia.