Logo do Venturus
Blockchain e a tokenização de certificados de energia renovável
  • 23 de junho de 2020
  • Blog

Blockchain e a tokenização de certificados de energia renovável

O aquecimento global é um dos grandes desafios mundiais a serem superados nos próximos anos e a geração de energia renovável é uma arma importante nessa batalha por evitar a emissão dos gases do efeito estufa comuns na geração termelétrica (obtida, por exemplo, através da queima de carvão).

Vários países possuem sistemas internos ou compartilhados para procurar controlar a emissão de gases que causam o aquecimento global. Muitos desses sistemas envolvem formas de incentivo à produção de energia renovável e aplicação de estratégias de mercado para o controle de empresas que continuam a produzir poluentes.

Certificados de energia renovável e créditos de carbono são dispositivos que foram criados para permitir que empresas possam comprovar o consumo de energia renovável e compensar a emissão de carbono de seus processos.

Com eles, empresas produtoras de energia renovável podem vender seus créditos para outras empresas que tenham algum tipo de obrigação regulatória de compensar emissão de poluentes ou comprovar uso de energias limpas. Esses créditos também podem ser comprados por iniciativa voluntária, para garantir que a empresa, seus produtos e processos sejam limpos e sem pegada de carbono.

Entretanto, certificados são normalmente comercializados em mercados locais, próprios de cada país, através de processos complexos e com vários atores, o que limita os resultados possíveis desse mercado. A tokenização desses ativos em sistemas de Blockchain é vista como uma possível alternativa para a criação de um mercado que possa viabilizar a comercialização desses créditos em escala global.

 

Certificados de Energia Renovável

Um certificado de energia renovável (ou REC, do inglês, Renewable Energy Certificate) é um instrumento de mercado utilizado para representar o direito de propriedade sobre os atributos ambientais relacionados à geração de energia renovável. Isso é, são certificados (que podem ser comercializados) que atestam que a energia foi gerada a partir de fontes renováveis (como a hídrica, solar, eólica, biomassa ou geotérmica).

Cada REC emitido representa a geração de 1 MWh de energia renovável. Os RECs incluem outros atributos que identificam as propriedades da energia gerada, por exemplo, a data em que o certificado foi emitido; a origem da energia (hídrica, solar, eólica etc.); a localização da infraestrutura de geração; etc.

A energia que consumimos das concessionárias não pode ser intrinsecamente classificada quanto à sua origem — todos os produtores injetam a energia produzida na rede elétrica, por isso, não é possível distinguir a energia produzida por um local ou método específico. Dessa forma, os RECs podem ser utilizados para a contabilidade, rastreamento e atribuição de propriedade à geração e uso da energia renovável.

O processo de uso dos RECs obedece um conceito conhecido como “book and claim” (registrar e declarar): de um lado, a usina faz o registro da energia renovável gerada junto a um órgão competente na forma de RECs; de outro lado, os consumidores de energia podem comprar os RECs e, através deles, declarar o consumo de energia renovável.

Vale ressaltar que a comercialização dos RECs pode ser feita separadamente da energia gerada. Nesse caso, eles são chamados de “unbundled RECs”. Por exemplo, uma usina geradora de energia renovável pode vender sua energia para um consumidor (por exemplo, através do Mercado Livre) e comercializar os RECs relacionados a essa energia com outro consumidor.

No caso acima exposto, apenas o consumidor que tem propriedade sobre os RECs poderá alegar o consumo sobre a energia renovável. Esse mecanismo de “unbundled RECs” permite que empresas possam mais facilmente investir em energia renovável para atingir suas metas de sustentabilidade, reduzindo os impactos ambientais de seus produtos e processos. Atualmente, a maioria das transações mundiais de certificados de energia renovável são relacionadas a “unbundled RECs”.

 

Comercialização de RECs

Existem vários sistemas de registros de certificados ao redor do mundo, como o RPS (Renewable Portfolio Standard) dos Estados Unidos, ou o GO (Guarantee of Origin) comercializado na Europa. No Brasil, o certificado mais utilizado é o I-REC, um padrão da International REC Standard adotado também por outros países.

O I-REC possui uma plataforma global que possibilita o comércio de certificados de energia renovável. Nesse sistema, o registro das usinas geradoras é feito por uma empresa terceira, habilitada pelo I-REC Standard. Essa entidade é responsável por registrar, supervisionar e auditar as usinas geradoras e, posteriormente, emitir os certificados para a energia gerada. No Brasil, o Instituto Totum é o emissor local autorizado pela I-REC standard.

Os I-RECs emitidos são registrados em um sistema central, no qual os certificados podem ser rastreados, evitando também problemas de duplicidade na contagem, emissão ou resgate dos certificados. Para as empresas interessadas na aquisição dos certificados, o sistema garante ainda segurança e confiabilidade na comercialização desses títulos.

Atualmente, o Brasil é o segundo maior emissor de I-RECs do mundo, atrás apenas da China. De acordo com dados o I-REC standard, entre setembro de 2018 e outubro de 2019, o país emitiu 1,7 milhões de I-RECs, provenientes da energia renovável gerada pelas 107 usinas credenciadas na plataforma. Esses números mostram o protagonismo do país na geração de energia renovável e o potencial de nosso mercado para a comercialização de certificados.

As plataformas atuais de registro de certificados permitem a comercialização segura desses títulos, entretanto, via de regra, essas soluções são baseadas em sistemas centralizados, com entidades intermediárias e processos burocráticos, que aumentam os custos das transações e inviabilizam uma maior participação de empresas e indivíduos interessados em participar desse mercado.

 

Tokenização de certificados

Blockchain são sistemas computacionais que podem registrar transações de ativos digitais (ou tokens). Os tokens podem representar quase tudo, desde ativos físicos (como obras de arte, diamantes etc.) até itens mais intangíveis (como direitos de propriedade). Na prática, um token é um identificador numérico único, gerado a partir de um hash criptográfico, e o processo de geração deste identificador é chamado de tokenização.

Após um ativo ser registrado num Blockchain, todas as transações com ele podem ser rastreadas. Assim, não fica difícil imaginar que Blockchain poderia ser utilizado para registrar RECs como tokens e controlar as operações sobre esses ativos.

Mas, afinal, qual a diferença do Blockchain para outros sistemas de controle de ativos, como as plataformas atuais de registro de RECs? A diferença fundamental é que os sistemas tradicionais (como as plataformas de registro de RECs) são sistemas centralizados, ao passo que Blockchain é um sistema distribuído.

Nos sistemas centralizados, toda a confiança sobre a validade das informações armazenadas depende de uma autoridade central — por exemplo, a I-REC Standard — que controla a plataforma. Já num Blockchain, como o Bitcoin, todos os participantes da rede atuam para a validação das informações nela armazenadas.

Essa descentralização do Blockchain reduz a atuação de autoridades centrais, promovendo a desintermediação de processos e, consequentemente, reduz o custo das operações. Além disso, mecanismos conhecidos como contratos inteligentes (smart contracts) permitem a execução de transações de forma automática pelo sistema.

Os contratos inteligentes podem ser entendidos como trechos de programas (códigos computacionais) que são executados durante a realização de uma transação. Esse mecanismo pode ser utilizado para garantir que termos de contrato e regras de negócio (como preço de um ativo, saldo disponível, transferência de recursos financeiros para pagamento, etc.) sejam automaticamente verificadas pelo sistema durante a execução de uma transação, reduzindo custos e aumentando a eficiência desses processos.

Assim, a tokenização de RECs em Blockchains e o uso de contratos inteligentes têm sido considerados como uma alternativa às plataformas tradicionais, de forma a trazer maior transparência, redução de custos e melhoria de eficiência aos processos.

 

Cases e iniciativas na área

Existem algumas iniciativas de utilização de Blockchain para o registro e comercialização de RECs. Segue abaixo uma breve descrição de alguns desses cases:

 

SP Group

SP Group é uma concessionária de energia da Ásia, com operações em Singapura, Austrália e China. Em 2018, a SP Group divulgou a criação de um sistema de comercialização de certificados de energia renovável utilizando Blockchain. A iniciativa tem como objetivo criar um marketplace para que organizações locais e internacionais — independentemente de tamanho, empresa ou local — cumpram suas metas de sustentabilidade através da comercialização de RECs.

 

Blockchain for Climate Foundation

Em resposta ao Acordo de Paris, a Blockchain for Climate Foundation — uma startup sem fins lucrativos do Canadá focada na melhoria dos mercados globais de carbono — está trabalhando na arquitetura de uma ferramenta blockchain para conectar as contas de crédito de carbono e certificados de energia renovável globais. A iniciativa busca permitir a comercialização internacional desses certificados, remover a necessidade de intermediários e permitir canais mais simples e diretos de compra e negociação.

 

Clearway Energy Group e Power Ledger

A Clearway é uma das maiores operadoras de energia limpa dos EUA, com mais de 4.3 GW de energia eólica e solar em operação. A Clearway está desenvolvendo uma plataforma para a comercialização de RECs, utilizando a plataforma de Blockchain da Power Ledger, uma startup americana com vários produtos relacionados ao uso de Blockchain no setor de energia.

 

PTT e EWF

PTT é uma empresa de energia da Tailândia que está desenvolvendo uma plataforma baseada em Blockchain. A plataforma será usada para a comercialização de certificados de energia renovável (baseados em I-RECs), em parceria com a EWF (Energy Web Foundation), uma fundação que desenvolveu a primeira Blockchain pública para o setor de energia. A plataforma será desenvolvida a partir da Energy Web Chain, a solução de Blockchain da EWF. A solução será baseada no EW Origin, um framework de código aberto para a certificação de origem de ativos.

 

Poseidon

Poseidon é uma startup dos Estados Unidos que também tem uma solução de tokenização de certificados de energia renovável e créditos de carbono semelhante aos casos anteriores. A diferença aqui é a aposta na criação de um mercado de “micro transações”. Nessa proposta, frações de RECs ou créditos de carbono são vinculados aos produtos finais de empresas, permitindo que seus clientes possam contribuir espontaneamente com o ambiente ao comprarem seus produtos.

Um dos primeiros pilotos da Poseidon foi com a gigante fabricante de sorvetes Ben&Jerry’s. Nesse projeto, os clientes finais podiam optar por compensar a pegada de carbono de cada bola de sorvete no instante da sua compra.

 

IDEO coLAB

Outro projeto bastante inovador vem da IDEO coLAB, que está desenvolvendo um painel solar conectado que gera RECs automaticamente enquanto produz energia, em tempo real, e registra esses RECs numa plataforma Blockchain. Com essa solução, a coLAB busca eliminar a necessidade de emissores locais, reduzindo a burocracia e os custos relacionados a emissão e a comercialização dos certificados.

 

Perspectivas futuras

Os certificados de energia renováveis são um instrumento importante para que empresas possam investir em sustentabilidade e na geração de energia renovável. As soluções atuais, baseadas em plataformas centralizadas, podem tornar o processo lento e custoso, inviabilizando a participação mais ampla de empresas e indivíduos que tenham interesse em investir em energia renovável.

Os casos expostos acima mostram que Blockchain pode mudar completamente esse cenário, possibilitando a criação de novos mercados, como o de micro transações, além de otimizar os processos e reduzir os custos para os envolvidos.

Imagine um futuro no qual todos os equipamentos de geração de energia renovável automaticamente registrem seus certificados numa rede Blockchain pública, permitindo que os mesmos sejam comercializados diretamente entre geradores e consumidores.

Ainda estamos longe de um cenário desses e com certeza haverá dificuldades técnicas, comerciais e regulatórias pelo caminho. A tecnologia de Blockchain não resolverá todos esses problemas, mas poderá ser uma peça importante para alavancar o mercado de certificados, promover a geração de energia renovável e um futuro mais sustentável.

O Venturus é um ICT (Instituto de Ciências e Tecnologia) que trabalha com desenvolvimento de projetos de tecnologia para o setor de utilities, em especial para o setor de energia elétrica. Blockchain está posicionada em nosso radar tecnológico como uma tecnologia com potencial disruptivo nesse setor, podendo ser aplicado não apenas na comercialização de certificados de energia renovável como em vários outros casos de uso. Para saber mais, entre em contato conosco através do e-mail [email protected] ou pela aba de contato aqui do site.