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Automação industrial com Raspberry e Arduino
  • 30 de julho de 2019
  • Blog

Automação industrial com Raspberry e Arduino

Muitas vezes sou questionado sobre o uso das placas de prototipagem em produtos finais para uso industrial ou comercial. Vou trazer alguns pontos importantes sobre esse assunto e mostrar quais as principais vulnerabilidades e soluções de contorno nesse cenário. 

 

Um pouco de história 

Os controladores lógicos programáveis (CLP) surgiram por volta da década de 60 e mudaram o jeito que a automação industrial era feita. Os sistemas baseados em relês foram gradualmente substituídos pela programação gráfica conhecida como LADDER, que é apenas uma representação das ligações dos fios. Essa tecnologia revolucionou a manufatura permitindo que horas de trabalho gastos no manuseio dos fios fossem substituídos pelo teclado virtual. Os CLPs são mini-computadores, com CPU, memória, módulos de entrada e saída etc., e tem característica de serem muito robustos durando décadas num ambiente industrial rigoroso. Há uma palavra-chave que define um dos motivos do CLP ser usado até hoje na manufatura e em projetos elétricos: reliability, ou seja, confiabilidade. 

Conforme os computadores evoluíram, o desejo por mais automação e informações do processo produtivo aumentaram.  O investimento em automação industrial tem o objetivo de reduzir os custos de produção e aumentar a eficiência da linha. Para isso, novas tecnologias têm sido inseridas nesse cenário através de dispositivos inteligentes e conectados. O equipamento industrial mais utilizado atualmente é o próprio CLP, pois ele está preparado para solucionar os diversos problemas de automação. Entretendo, devido ao preço elevado do CLP e da escassez de profissionais que dominam a linguagem LADDER, muitas empresas têm usado placas de prototipagem para fazer pequenas automações e extrair informação de máquinas. 

 

A revolução das placas de prototipagem

As placas de prototipagem baseados em Raspberry Pi, Arduino e afins, caíram no gosto dos entusiastas por eletrônica e tecnologia. A história por trás da criação do Arduino começa na Itália, em 2003, quando o Italiano Hernando Barragán criou uma ferramenta de programação que permitiu a artistas e designers o desenvolvimento de aplicações em placas eletrônicas sem ter muito conhecimento técnico. Então em 2005 surge o Arduino, que consiste num ambiente de programação simples, open source e com dezenas de kits de desenvolvimento caracterizados por seu baixo custoHoje, há mais de 200 distribuidores no mundo dessas placas, muito código aberto e exemplos de programação para as mais variadas aplicações.  

A história da Raspberry Pi é outra. Na Inglaterra, em 2006, o fundador da Raspberry PiEben Upton, notou que o interesse dos alunos pela área de ciência da computação estava em declínio e que precisava de um jeito de encorajá-los a se inscreverem na área. Foi então que surgiu a ideia de construir um computador de baixo custo que permitisse e incentivasse os jovens a embarcarem nessa jornada. Então em 2008 surge a Raspberry Pi Foundation, organização dedicada à criação desses dispositivos. A primeira versão lançada no mercado foi a Raspberry Pi 1 Model B em 2012. A empresa chegou na marca de 25 milhões de placas vendidas no mundo em 2019. 

Raspberry Pi e Arduino são dispositivos de arquitetura diferente. O Arduino é uma placa eletrônica caracterizada por ter baixa capacidade de processamento, poucos periféricos embarcados, código fonte dedicado (bare metal) e ausência de um sistema operacional como Windows ou Linux. Ela inclusive pode ser utilizada junto com uma Raspberry Pi para aumentar as possibilidades. Já a Raspberry Pi é literalmente um computador. Veja os vários benefícios da Raspberry Pi: 

  • Baixo custo (R$100 ~ R$300) 
  • Alto poder de processamento pelo tamanho da placa 
  • Múltiplas interfaces (USB, Ethernet, HDMI, Wi-Fi, Bluetooth, GPIOs) 
  • Suporta o sistema operational Linux 
  • Suporta várias linguagens de programação como o Python (tornando fácil a criação de projetos) 
  • Alta disponibilidade de códigos exemplo 
  • Fabricar uma placa dedicada custa muito caro 
Closeup of electrical engineering programming microcomputers - raspberry Pi 4B w Heatsink Nvidia Jetson nano

Raspberry Pi 4B

 

Restruções técnicas para a indústria  

Se você quer desenvolver um projeto pessoal, todos os pontos mencionados anteriormente são positivos. No entanto, se você quer construir um produto industrial ou comercial, há outros pontos críticos que requerem atenção. As placas de prototipagem não apresentam especificações técnicas completamente válidas para um cenário industrial rigoroso. São dispositivos manufaturados para consumidores finais, indivíduos. Abaixo são descritos alguns pontos que requerem atenção para o cenário comercial: 

Licença 

Raspberry Pi Foundation não obriga a compra de nenhuma permissão ou licença para o uso comercial da plataforma. No entanto, eles pedem para que o termo “Powered by Raspberry Pi” seja rotulada no produto. Em relação ao software, há dezenas de bibliotecas embarcadas no sistema operacional com as mais variadas licenças. No caso de uso da plataforma sem fins comerciais, o usuário não tem obrigação legal e pode usar normalmente. Se o produto tiver fins comerciais, deve-se analisar quais bibliotecas estão sendo utilizadas e entender a sua característica comercial. Algumas licenças requerem que o código seja distribuído, parcialmente ou completamente, como por exemplo as GPLv2 e GPLv3.  

Sistema Operacional executando no cartão SD 

Este caso é específico da Raspberry Pi, onde o sistema operacional é executado através do cartão SD. Devido às características de operação a nível de hardware do cartão, o sistema pode ser corrompido em caso de falta de energia elétrica, ocasionando a parada da aplicação. O problema pode ser parcialmente contornado através do uso de baterias de backup, porém, nunca será totalmente seguro. 

Fonte de Alimentação 

O circuito de alimentação dessas placas é simples e depende de uma boa fonte externa dedicada. No cenário industrial onde o ruído do ambiente é elevado e a possibilidade de picos e vales de tensão são reais, deve-se considerar o uso de fontes estabilizadas chaveadas com banco de bateria. Outro ponto peculiar da Raspberry Pi é a falta de um conector de alimentação próprio ao invés do micro USB existente. 

Antena Wi-Fi ou BLE 

A grande maioria das placas de prototipagem possui a antena Wi-Fi ou BLE impressa no circuito. Isso implica em um alcance de comunicação mais restrito quando comparado a uso de uma antena externa. Pensando numa aplicação industrial onde a placa encapsulada poderá ficar dentro de um painel metálico ou máquina, as quedas de conexão podem se tornar frequentes e afetar o desempenho da aplicação.  

Segurança e Confiabilidade 

Os CLPs são robustos e podem ser usados na maioria das aplicações industriais. Possuem proteção contra ESD, sujeira, vibração, ruídos na rede de tensão e mitigam problemas aleatórios que foram detectados em anos de testes. Além disso, atendem às normas técnicas IEC. Será que instalar um Arduino para comandar alguma aplicação vai suportar também essas intempéries? E quanto às certificações industriais? 

 

Principais casos de uso na indústria 

A lista abaixo mostra algumas das principais aplicações das placas de prototipagem: 

Coleta de Dados de Sensores 

Com a crescente demanda pelo assunto IoT, inteligência artificial e aprendizado de máquina, muitas indústrias têm buscado extrair informações de todo o processo industrial para otimizar a produção. O sensoriamento das linhas com dispositivos de baixo custo e equipados com comunicação sem fio atendem essa necessidade sem ocasionar riscos à segurança. 

Interface com Máquinas Legadas 

A quantidade de máquinas legadas nas indústrias é altíssima. Muitas delas não tem acesso à rede cabeada porque não foram concebidas para isso. Outras até possuem, mas não fornecem informações detalhadas do processo como tempo de ciclo, desperdícios etc. Inserir dispositivos inteligentes é um caminho interessante para torná-las conectadas e gerar mais valor agregado, mesmo que indireto. 

Inspeção de Produção 

Se há produção, há também inspeção ou verificação em pelo menos uma etapa do processo industrial. Há no mercado inúmeros sensores e sistemas de visão que podem ser acoplados às placas de prototipagem que permitem acrescentar valor na linha de produção antecipando falhas. O baixo custo e facilidade de implementação faz com que muitos técnicos insiram esses dispositivos no chão de fábrica. 

Automação de Testes 

Se há produção, há ferramentas de testes do produto. Qualquer teste que envolva acionamento de chaves, detecção de luz, de movimento, de tensão, de contagem de evento etc., podem ser automatizados através de Arduino ou Raspberry. Além de melhorar a rapidez e garantir menor taxa de erros, é possível extrair dados em tempo real da execução, permitindo à gestão da produção uma análise de qualquer momento do processo. 

 

Outras soluções baseadas em Raspberry Pi 

Há empresas no mercado que melhoram a Raspberry Pi adicionando proteção, periféricos e encapsulamento apropriado para uso profissional. Essas soluções tornam o dispositivo compatível com aplicações industriais, onde a confiabilidade e segurança são mandatórios. netPi da netIoT e o Strato Pi são exemplos de soluções que possuem certificação IEC e contemplam vários protocolos industriais. 

 

Posso usar na indústria?  

As placas de prototipagem não foram fabricadas nem testadas em ambiente industrial rigoroso. Como o próprio conceito diz, elas servem para prototipar. Quando vistas da perspectiva de investimento (baixo custo) e da velocidade de desenvolvimento (rápido), elas se mostram viáveis para resolver pequenos problemas ou melhorias no chão de fábricaAlém disso, a grande variedade de códigos exemplo e os inúmeros tipos de placas contribuem para que qualquer pessoa desenvolva uma solução embarcada. Estes pontos positivos fazem com que soluções mais caras e altamente seguras como o CLP sejam destinadas a aplicações de maior porte onde a confiabilidade e segurança devem ser seguidas à risca. No entanto, deve-se ficar atento aos pontos vulneráveis destacados anteriormente. No fim das contas, preparar uma Raspberry Pi com proteções adequadas, isolamentos e atendimento de normas pode ficar tão custoso quanto usar um CLP que já tem tudo embutido.