- 13 de agosto de 2019
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Aquisição de conhecimento por meio de Videogames e Serious Games
Videogames. Para alguns a décima arte, para outros uma perda de tempo. Os jogos digitais tiveram seu início em 1948 quando dois cientistas entediados decidiram criar um dispositivo de diversão com tubo de raios catódicos. Desde então, os videogames evoluíram e passaram a ser usados para propósitos distintos que vão, às vezes, muito além de puro entretenimento.
Jogos digitais são usados para a prática de soldados e policiais em ambientes controlados, simulações de vôo para pilotos aprendizes, entre outros. Na área da saúde, auxiliam na recuperação de movimentos de membros para pacientes que sofreram algum tipo de acidente. Tentativas de incluir a aquisição de novos conhecimentos, habilidades e capacidades como valor dos videogames, provaram que estes são muito interessantes para a educação em geral, como será evidenciado mais a frente.
Mas será que os videogames podem ser usados para dar às pessoas novos conhecimentos úteis? Como podem ser benéficos para a formação de indivíduos? É ruim que alguém prefira jogar a ler livros? Com alguma pesquisa e experiência pessoal, todas essas perguntas serão respondidas e os jogos se evidenciarão sobretudo positivos e benéficos para as pessoas, especialmente para o ensino.
Mocinho ou vilão?
Existe a crença de que videogames são unicamente prejudiciais, encorajando a violência e a má conduta, sendo, até mesmo, associados a tragédias como tiroteios em escolas e assassinatos. Acredita-se também que, em um jogo cujo objetivo é assassinar um alvo ou roubar algo, pode-se ensinar como realizar tais atos de verdade, desenvolvendo, assim, a vontade do jogador de reproduzir esse comportamento na vida real. Isso está parcialmente correto. A exposição a jogos violentos está, de fato associada a níveis mais altos de comportamento agressivo em crianças, adolescentes e jovens-adultos. No entanto, não há evidências sólidas de que tragédias amplamente divulgadas e conhecidas – como os tiroteios nas escolas de Dickucah, em Kentucky, Jonesboro, no Arkansas e Littleton, no Colorado – tenham os jogos digitais como culpados, apenas o fato de que eles foram cometidos por indivíduos que jogaram videogames[1].
Além disso, jogos violentos foram feitos com a intenção de serem violentos, de forma que os pais que compram esse tipo de jogos para seus filhos devem, ou deveriam, estar cientes desse fato. Os videogames não encorajam comportamentos danosos se respeitarem a classificação etária de um sistema de classificação de conteúdo consistente, como o ESRB (Entertainment Software Aging Board – Estados Unidos) ou o PEGI (Pan European Game Information – Europa).
Filmes, livros e séries de televisão também contém violência, porém, vieses de pesquisadores podem ter influenciado estudos prévios sobre este tópico e distorceram a compreensão dos efeitos dos games. Um estudo recente da renomada Universidade de Oxford, no qual foram analisados dados retirados de uma amostra jovens britânicos de 14 e 15 anos e seus tutores, totalizando aproximadamente 2.000 indivíduos, sugere que a ideia de que games violentos geram agressão no mundo real é popular, mas não foi testada muito bem até hoje.
Enquanto alguns acreditam que os videogames são exclusivamente para crianças e adolescentes, o aprendizado assistido por computador é conhecido por ter ótimos resultados para todas as idades. Os jogos proporcionam um aprendizado construtivo, contextualizado e experiencial, aprimorado pela experimentação e imersão do jogador, o que é especialmente explorado nos chamados Serious Games (Jogos Sérios), isto é, jogos digitais criados para servir um propósito definido, necessariamente útil, combinando jogo e aprendizado[2].
Embora as evidências experimentais que comprovam a efetividade dos Serious Games não sejam numerosas, por serem relativamente novos, alguns pesquisadores acreditam que são de fato eficientes, pois atestaram com seus estudos que aumentam a motivação e o engajamento dos alunos, apoiando o aprendizado quando os métodos tradicionais se mostram enfadonhos e tediosos[2].
Aprendendo enquanto joga
Uma razão pela qual os videogames podem ser considerados eficazes é que jogar é a maneira que a natureza nos leva a aprender. Nenhum animal nasce já sabendo tudo o que deveria saber, seja um filhote de leão que briga de mentirinha com seus irmãos, aprendendo a lidar com uma situação real de combate ou uma criança interagindo a tela de um tablet imaginando como aquilo funciona, inconscientemente adquirindo afinidade e se preparando para a tecnologia em nossa sociedade contemporânea orientada por ela.
Jogar também é um ato voluntário, ou seja, uma atividade que se deseja realizar espontaneamente, extraindo mais dedicação do que se fossem obrigatórias ou forçadas. Mas isso não significa que os jogos podem substituir palestras ou livros didáticos, já que isso seria impor jogos para as pessoas, o que funcionaria, mas não desencadearia suas plenas capacidades. Jogar deve ser um ato de eleição.
No entanto, jogos podem substituir ou complementar meios secundários de educação, como romances, quadrinhos ou filmes, sendo mais poderosos por causa do fator de interatividade. Como exemplo, temos a franquia de jogos Assassin’s Creed, da Ubisoft, considerados jogos históricos, pois reproduzem diversos momentos históricos com perfeição, apresentando o mesmo conteúdo que um livro de história, porém de forma interativa: os jogadores podem visitar lugares históricos e aprender sobre eles no modo Discovery Tour (Tour de Descoberta, Figura 1), que funciona como um museu vivo digital, ampliando o interesse sobre o assunto – em outras palavras, obter conhecimento sobre algo sem perceber.
Também podemos citar Code Combat, jogo destinado a professores e alunos, mas que qualquer um pode jogar. Code Combat é um jogo de RPG (Roleplaying Game) que tem como público-alvo adolescentes do Ensino Médio e ensina as linguagens de programação Python, Javascript, Lua e Coffeescript, bem como fundamentos da Ciência da Computação. O jogo força seus usuários a escreverem código para avançarem em seus níveis e foi positivamente resenhado pela PC Magazine.
Uma das grandes falhas do sistema educacional moderno é o pavor do fracasso que provoca nos alunos. Estudantes de todo o mundo são condicionados a temer os erros ao invés de enxergá-los como uma oportunidade de aprender algo novo. Pode-se dizer que o medo de obter uma nota baixa faz com que os alunos, especialmente adolescentes e jovens adultos, estudem cada vez mais em detrimento da saúde física e principalmente mental.
Esse modelo atual do sistema educacional tem sucesso em uma coisa: faz alunos estudarem mais. No entanto, estudar por medo e ansiedade é o caminho errado, uma vez que esses sentimentos afetam negativamente o aprendizado e o desenvolvimento de estudantes, principalmente em crianças. Jogos oferecem uma curva de aprendizado mais suave que também se aplica a matérias escolares (Figura 3), propiciando a aquisição de conhecimento mais durável e de forma agradável.
Nos videogames, embora falhar ainda traga consequências – como ter de voltar ao início do nível ou perder uma vida, pontos ou dinheiro no jogo –, se os jogadores erram um pulo, podem tentar novamente. Se falham em desafios, podem – e são encorajados a – experimentar novas estratégias, diferentes soluções. São treinados a não temer os erros, mas a pensar e encontrar uma solução para superá-los. Jogos perguntam aos jogadores se podem encontrar uma solução em vez de solicitar a resposta certa imediatamente, trazendo ensinamentos a cada desafio.
Ainda há a questão do tempo. Não há tempo o suficiente para que todos os alunos aprendam sobre determinado assunto antes de avançarem para o próximo. Professores não conseguem focar integralmente em dar aulas pois estão amarrados à demorada tarefa de corrigir testes e trabalhos. As salas de aula não estão preparadas para um modelo diferente de ensino, recorrendo maioritariamente a material escrito, que é um modelo muito antigo de educação.
Com a inclusão de jogos educativos, o tempo disposto para o ensino pode ser otimizado, uma vez que esses jogos liberam os docentes da tarefa de correção. Computadores respondem instantaneamente, fornecendo feedback imediato para os alunos. Assim, os jogos permitem que aprendizes reflitam sobre seus erros e que a avaliação não seja utilizada apenas para classificar o conhecimento de um estudante, mas também para conferir a oportunidade do aprendizado, além de permitir que professores foquem em sua função principal, que é o ensino e a formação de indivíduos.
Outro grande problema que o sistema educacional moderno enfrenta é a superlotação das salas de aula, ou seja, hoje em dia uma sala de aula regular tem cerca de 15 a 20 alunos, sem mencionar casos anômalos com 40 ou 60 alunos. Para o educador, fica difícil detectar em que parte cada educando está com dificuldades e, então, elaborar aulas que atendam as necessidades de todos, piorando a qualidade do ensino e da aprendizagem. E é aí que computadores e videogames podem se destacar.
Eles são capazes de armazenar uma quantidade considerável de informação sobre cada um – como onde clicam, quanto tempo foi gasto em cada desafio, quantas tentativas foram dadas, quantas pessoas falharam em determinado desafio, etc. Essas informações, por sua vez, podem ser usadas posteriormente para fazer asserções sobre o grupo. Portanto, o professor pode facilmente detectar quais os bloqueios e quais os destaques de seus alunos, dando a ele tempo para formular outras abordagens – caso o programa também não o faça automaticamente –, a fim de tornar o estudo algo mais palatável, quiçá prazeroso.
Além disso, dependendo do design, os jogos podem automaticamente se adaptar para as necessidades de cada aluno, selecionando desafios diferentes baseado nos dados coletados sobre eles e alocando uma fatia diferente de tempo para um tópico que está impedindo o avanço. Por exemplo, para uma criança pode ser atribuído um plano de progressão que aloque mais tempo para entender como frações funcionam enquanto outra criança recebe um pouco mais de tempo sobre multiplicações.
Alguns pesquisadores e professores já testaram usar videogames em espaços extraescolares para várias experiências de aprendizagem, a fim de complementar a educação em sala de aula. Para permitir a exploração da criatividade e habilidades com mídia digital, um professor na Austrália introduziu o jogo Minecraft desenvolvido por Mojang com alunos de 4 a 16 anos de idade. Outro professor usou o jogo Civilization em um programa de estudos sociais do ensino médio para que os alunos pudessem entender melhor a história mundial. Um terceiro trouxe World of Warcraft para um programa extraescolar para que os alunos pudessem ver as conexões literárias entre o jogo e o livro de J. R. R. Tolkien, O Hobbit[3].
Serious Game no Brasil
Até mesmo o governo brasileiro adotou um Serious Game como parte do processo para a obtenção da Carteira Nacional de Habilitação, o simulador de direção, que visa dar mais tranquilidade aos condutores em formação na fase de reconhecimento das funções do carro, melhorando assim o aproveitamento das aulas práticas.
Neste mesmo âmbito, o Venturus utilizou um simulador automotivo em conjunto com um infotainment de mercado – com Android Auto para conectar-se a um celular – a fim de gerar todas as informações do barramento CAN (Controller Area Network Bus) de um carro. O simulador ajuda o instituto em projetos em parceria com a FCA (Fiat Chrysler Automotive).
Videogames são uma tecnologia relativamente nova e mais nova ainda é a ideia de que esse meio de comunicação, principalmente usado para o entretenimento, pode ser usado para propósitos mais sérios. Portanto, é compreensível que as pessoas possam ter dificuldade de aceitá-los no âmbito da educação. No entanto, os jogos têm muitas competências benéficas que poderiam melhorar o aprendizado.
Talvez não sejam aplicáveis em nosso sistema educacional como é hoje, sendo parte de uma reflexão muito maior sobre como ele funciona e sobre como reformulá-lo, de modo que alunos usem os inúmeros recursos disponíveis para complementar a educação que recebem. Trata-se do sistema educacional do século XXI, que deveria ensinar aos alunos habilidades como pensamento crítico, comunicação, colaboração e criatividade, além de apenas fatos decorados.
Jogos podem ensinar tão bem quanto ou até melhor do que qualquer outro método de ensino tradicional. Isso pode ser feito, como já foi feito em alguns casos com bons resultados. O aprendizado por meio de videogames consiste em fazer as pessoas desejarem aprender, despertando a curiosidade e permitindo-lhes explorar e encontrar soluções por si só, independente do desafio.
A curiosidade é ainda mais poderosa do que o medo de punição. Deste modo, usar jogos para complementar o ensino não é apenas aumentar o engajamento dos alunos, mas também tornar o aprendizado algo que eles aspiram e gostam de fazer.
Referências
[1] Anderson, C. A. & Bushman, B. J. (2001). Effects Of Violent Video Games On Aggressive Behavior, Aggressive Cognition, Aggressive Affect, Physiological Arousal, And Prosocial Behavior: A Meta-Analytic Review Of The Scientific Literature. Psychological Science, 12, 353. doi: 10.1111/1467-9280.00366
[2] Girard, C. C., Ecalle, J. J., & Magnan, A. A. (2013). Serious games as new educational tools: How
effective are they? A meta-analysis of recent studies. Journal Of Computer Assisted Learning, 29 (3), 207-219. doi:10.1111/j.1365-2729.2012.00489.x
[3] Gerber, H. R. et al. (2014). From Mario to FIFA: What qualitative case study research suggests about games-based learning in a US classroom. Educational Media International, 51:1, 16-34, doi:10.1080/09523987.2014.889402