- 3 de dezembro de 2019
- Agronegócio
A 4ª revolução tecnológica aplicada à Agricultura
Atualmente, estamos passando pela quarta revolução tecnológica ou quarta revolução industrial, a famosa Indústria 4.0. Como suas antecessoras, a quarta revolução tecnológica constitui uma mudança de paradigma no que diz respeito a processos em diferentes setores — como manufatura, utilities, saúde e, nosso foco neste texto, agronegócios — a partir da introdução de novas tecnologias.
A primeira revolução tecnológica é marcada pela chegada de maquinários movidos a vapor, utilizados em indústrias têxteis na Inglaterra do século XVIII. A segunda revolução tecnológica veio no século seguinte, representada pela passagem de maquinários a vapor a equipamentos elétricos. Essa mudança teve início nos Estados Unidos e logo passou a ser utilizada na Europa. Ela começou no setor metalúrgico e, em seguida, foi adotada por outras indústrias de produtos.
A terceira revolução tecnológica teve início na década de 1970 no Japão e solidificou a automação de processos na produção, através da adoção de sistemas autônomos — robôs começaram a ser utilizados para completar tarefas repetitivas em linhas de montagens de carros, por exemplo.
Através dessas grandes revoluções, observamos, também, como muda o relacionamento do trabalhador com o sistema industrial. Ele passa de operador manual, que deve realizar o processo completo de produção, a operador de maquinário, transforma-se em especialista em tarefas específicas e sai da terceira revolução tecnológica como especialista que monitora um sistema autômato.
A quarta revolução tecnológica, atualmente em curso, representa a implementação de novas tecnologias, especialmente tecnologias inteligentes e autônomas, em processos de todas as áreas. Isso significa a adoção de tecnologias que recolhem informações, as processam e produzem diagnósticos com relação à própria cadeia produtiva. Ou seja, a quarta revolução compreende a automatização da análise do processo de produção. (Para saber mais sobre a Indústria 4.0, veja nosso artigo )
Devido a sua grande abrangência em processos, a quarta revolução tecnológica pode ser aplicada a qualquer setor. Na área do agronegócio, especialmente, as novidades são interessantes, pois há muito a ser feito. Grande parte do setor agrícola continua não apenas com tecnologias antigas, mas processos que podem ser melhorados. É para responder às essas possibilidades que veio a Agricultura 4.0, ou seja, o reflexo da quarta revolução tecnológica na agricultura.
Cenário Brasileiro
A partir da estimativa de crescimento populacional para 9,7 bilhões em 2050, há desafios envolvendo a alimentação e manutenção da qualidade de vida da população, e tudo isso envolve o setor agrícola. Desde o desperdício de alimentos que já ocorre no campo até alterações climáticas que ainda estão por vir, essas mudanças impactarão diretamente a forma como a produção e consumo de alimentos acontecerão em todo o mundo.
No Brasil, o Agronegócio possui enorme força na economia — segundo um Estudo de Sistema Produtivo das Agroindústrias realizado pelo IEL (Instituto Euvaldo Lodi), ele representa mais de 20% do PIB (Produto Interno Bruto) e cerca de 50% das exportações do país. No mercado de exportação, o Brasil é líder em vários produtos, como: açúcar, café, soja, carne vermelha e aves.
No entanto, mesmo com o enorme peso do setor agrícola, observa-se pouca atenção às oportunidades e necessidades de inovação no agronegócio. Por exemplo, segundo a Embrapa, embora o número de usuários de internet móvel em zonas rurais tenha passado de 4% a 24% entre 2008 e 2014, apenas 5% dos produtores agrícolas utiliza internet profissionalmente.
Esse cenário pode não parecer promissor, mas, na verdade, ele apresenta grandes oportunidades de inovação e crescimento no setor agrícola. A aposta é que eles serão alcançados através da aplicação de tecnologias e seus processos relacionados ao agronegócio. Por exemplo, segundo a Embrapa, de 180 startups cadastradas em 2016, somente 23 tinham conexão com agronegócios, enquanto, em 2019, foram mapeadas 1.125 startups atuando no segmento agroalimentício (segundo Radar Agtech de 2019).
A versatilidade já chegou ao campo e não há mais como escapar. Quem espera que a vida no campo se mantenha como no século XX ainda não entendeu que as mudanças já começaram e não vão parar tão cedo. Dentre as múltiplas atividades que são ramificações do agronegócio, estão o controle da plantação; a economia e uso consciente da água; e o uso de energias limpas, que assim como a água, se tornou uma preocupação recorrente.
Revolução na Agricultura
Agricultura 4.0 é o termo usado para fazer referência à aplicação de conceitos e tecnologias da quarta revolução tecnológica no setor agrícola. Para o agronegócio, especialmente, é essencial considerar como os novos avanços tecnológicos podem ser incorporados de forma verdadeiramente produtiva, não apenas um transplante de tecnologias que não fazem sentido no contexto em que estão sendo aplicadas.
Dessa forma, a agricultura 4.0 é melhor pensada através de problemas e oportunidades encontrados em toda a cadeia produtiva e de como as novas tecnologias e processos podem contribuir para melhorar com processos e informações mais assertivas. Por exemplo:
Perda de safra em transporte
O Brasil é um país extenso, com áreas (que se desdobram em vários estados) especializadas em diferentes produtos. No entanto, esses produtos são consumidos em todo o Brasil, com grandes quantidades sendo necessárias para abastecer os grandes centros urbanos e portos de exportação — que, por sua vez, geralmente ficam mais distantes dos locais de produção desses alimentos. Assim, é de extrema importância que o transporte da produção garanta a sua qualidade para o consumo, mesmo em locais mais distantes. Diversas tecnologias podem ser adotadas e até mesmo usada em conjunto para solucionar tal problema, entre elas estão:
IoT
Uma das primeiras tecnologias a ser aplicada a muitos problemas é IoT (Internet of Things ou Internet das Coisas). Ela funciona através da implementação de sensores na maior quantidade possível de peças de um sistema ou cadeia produtivo. Esses sensores coletam dados sobre a cadeia e permitem a distinção de padrões de funcionamento, gargalos de produtividade e falhas de precisão no sistema monitorado.
Em agronegócios, IoT pode ser aplicada ao maquinário utilizado na lavoura ou na fábrica, coletando dados desde o plantio, extração, colheita e processos de preparo até os diferentes estágios do transporte da produção ao seu destino final. Assim, é possível averiguar o estado de produtos quando saem para transporte, em diferentes pontos do trajeto e na sua entrega. (Saiba sobre uma aplicação de IoT em Agronegócios)
Blockchain
O rastreamento de produtos ganha ainda mais com a aplicação de tecnologias como Blockchain. Essa tecnologia foi, inicialmente, criada como sistema para o uso de moedas digitais (Bitcoin, por exemplo), e funciona como um livro de razão em que ficam registradas transações. Em Blockchains, transações são armazenadas em elos que compõem uma corrente. Cada elo contém as informações de todos os elos anteriores. Dessa forma, Blockchains aumentam a segurança do registro das transações realizadas, pois, para alterar um deles, seria necessário fazer o mesmo em todos os elos da corrente.
Através da tecnologia Blockchain, junto com sensores IoT, é possível criar uma rede de monitoramento de produtos e seu transporte. As informações dessa rede são quase impossíveis de serem alteradas, de forma que produtores e seus clientes podem ter acesso e depender dos dados obtidos. Isso não apenas ajuda produtores a saberem o estado de sua produção, mas agrega valor aos produtos, que chegam dentro das condições acordadas com clientes. (Para saber mais, veja nosso artigo sobre Blockchain no Agronegócio)
Além de tecnologias que podem auxiliar em processos que garantem a qualidade de produtos sendo transportados, há alternativas sendo exploradas para burlar as dificuldades de transporte como um todo. Um exemplo são as fazendas verticais, um novo método de produção de vegetais baseado em espaços menores de cultivo, em andares — por isso, verticais — e, geralmente, fixados perto de centros urbanos.
Fazendas Verticais
Fazendas verticais são ambientes controlados, que utilizam tecnologias para definir luminosidade (intensidade e faixa de luz utilizada), umidade, temperatura e outros aspectos necessários para o cultivo de vegetais. Além de tecnologias que permitem controlar o ambiente de cultivo, também são usadas tecnologias de sensores (como IoT) e de automação para a análise dos dados recolhidos e ajustes das variáveis envolvidas.
Através do emprego dessas diversas tecnologias, o método de plantio utilizado em fazendas verticais dá condições para maior aproveitamento do espaço utilizado, aumentando a sua produtividade — até 90% em fazendas verticais, em comparação a 50% da agricultura tradicional. Assim, fazendas verticais são outra resposta para a otimização da distribuição de produtos agrícolas, contornando a questão do transporte ao se aproximar dos grandes centros de consumo. (Temos um artigo sobre Fazendas Verticais)
Essas são perspectivas diferentes sobre a questão do transporte de produtos. Uma procura empregar novas tecnologias e processos à questão, baseada na coleta de dados do transporte para melhorar sua efetividade e para agregar valor aos produtos transportados. A outra busca fugir do problema, vendo nele uma oportunidade de inovar a forma como cultivamos vegetais. São respostas que se comunicam com perguntas e grupos diferentes, mas que estão dentro das mudanças trazidas pela quarta revolução tecnológica.
Produtividade
Como em diversas outras indústrias, a produtividade é central para qualquer agronegócio. A questão não é um simples aumento de produtividade, mas a sua otimização. Isso pode ser alcançado de diversas formas (ou com combinações de abordagens). Assim, é possível: aumentar a quantidade produzida, diminuir gastos ou perdas de produtos, adequar a produção à demanda e entender as dificuldades nesse processo de otimização. Algumas das otimizações possíveis incluem:
Robôs
Robôs permitem a automatização de processos (ou parte deles) na cadeia produtiva. Eles podem realizar diferentes tarefas: coleta de vegetais e frutos, irrigação, análise e ajuste de temperatura e umidade etc. (Falamos de robótica em agronegócios)
IoT, Inteligência Artificial e Machine Learning
Outra tecnologia que vem sendo aplicada a muitos problemas é IoT. Os sensores implementados com IoT capturam dados sobre os diferentes pontos da cadeia produtiva e, geralmente, armazena-nos na Nuvem, de forma que eles possam ser acessados em qualquer lugar com acesso à internet.
Através da análise dos dados coletados, é possível formar estimativas mais reais e tomar decisões de forma fundamentada na realidade do negócio. Para realizar essa análise, podem ser utilizadas tecnologias como Machine Learning (ou Aprendizado de Máquinas), a aplicação de Inteligência Artificial a sistemas para que eles se tornem capazes de analisar dados e aprender com eles — de modo a serem capazes de tomar decisões a partir de informações fornecidas.
A tecnologia Machine Learning pode ser utilizada para analisar e cruzar os dados recolhidos pelos sensores de IoT. Como Machine Learning aprende com os dados, o sistema pode ser capaz de encontrar relações inesperadas de dados que, antes, não pareciam relacionados; ou identificar a importância de variações de dados aparentemente sem importância à análise humana. (Veja nosso artigo sobre a aplicação de Machine Learning no Agronegócio)
Drones
Em pastagens ou áreas de cultivo extensas, por outro lado, drones tem se tornado uma opção muito interessante para a coleta de dados que podem ser agregados às informações colhidas por sensores, por serem mais precisos e captarem mais informações que os dispositivos utilizados atualmente. Drones são capazes de produzir mapas precisos (até mesmo em 3D), que podem ser utilizados para a análise do solo antes ou entre plantios; verificação de irrigação (quais partes precisam de mais água ou de melhorias); e monitoramento de plantações, colhendo dados sobre o estado de saúde da produção ou quão próxima ela se encontra da colheita.
Drones podem, além de coletar dados e imagens, realizar tarefas que auxiliam diretamente em processos da cadeia produtiva. Eles já são utilizados para pulverizar fertilizantes ou defensivos de forma uniforme e rápida — em alguns casos, a pulverização aérea realizada por drones chega a ser cinco vezes mais veloz do que as formas tradicionais.
Há, ainda, avanços no desenvolvimento de sistemas que utilizam drones nos processos de semeadura. O sistema lança pods (cápsulas) com sementes e nutrientes no solo, de forma que as sementes já são plantadas em condições otimizadas para seu crescimento. Alguns desses sistemas tem bastante sucesso, diminuindo consideravelmente os custos de plantio.
Essas são aplicações de algumas tecnologias, procurando melhorar a eficiência e produtividade de agronegócios. Elas podem ser aplicadas pontualmente ou ao longo de toda uma cadeia produtiva. As possibilidades são inúmeras, mas precisam estar de acordo com as necessidades e objetivos de cada negócio, atendendo às suas especificações.
Mapeamento de desafios e oportunidades
Mesmo com diversas soluções já existentes, sempre haverá desafios a serem solucionados em todas as áreas do campo. Inicialmente amplos e aparentemente sem solução, muitos desafios que surgem na área rural ainda são vistos como “parte do trabalho” e suas perdas são consideradas normais e aceitáveis, já que sempre ocorreram. Em outros casos, é difícil enxergar qual parte da cadeia produtiva pode ser inovada e quais seriam os ganhos com essa inovação.
Essas dúvidas são comuns, especialmente no setor agrícola, que possui vários processos bastante enrijecidos e nos quais perdas e desperdícios são contabilizados desde o início das operações. Uma opção muito interessante para tratar dessas questões é a aplicação de metodologias disruptivas, que procuram quebrar os moldes de como problemas tem sido encarados em diferentes setores.
O Design Thinking, por exemplo, é uma abordagem iterativa — ou seja, em que ciclos de análises ou operações são repetidos até que um resultado adequado seja alcançado — que busca entender usuários, questionar suposições e redefinir problemas com o objetivo de identificar sugestões alternativas e soluções que não ficam claras de imediato. Ele pode ser aplicado de várias formas. Uma das mais populares, o Design Sprint, é um processo de cinco dias em que pessoas com diferentes visões e hierarquias contribuem para buscar soluções para um problema ou até mesmo redefinir um negócio.
A realização do Design Sprint ocorre nas seguintes etapas, em ordem: mapeamento do problema, esboço de uma solução, entrevistas com stakeholders e até mesmo usuários, uma decisão de caminho a ser tomado, a criação de um protótipo e a realização de um teste. A ideia do Sprint, diferente de outras abordagens do Thinking, é chegar com o cenário do problema já mapeado de maneira macro, muitas vezes já sabendo quem é o usuário e qual o seu comportamento atual.
A metodologia é bem mais que um brainstorming, por procurar o entendimento do usuário além das suposições e buscar ideias do usuário final além do que é trazido apenas por membros da equipe com visão apenas interna do serviço ou produto, sendo um processo mais prático e próximo da realidade. Por se tratar de uma metodologia centrada no usuário, é imprescindível que ocorram pesquisas com os usuários finais. Assim, é possível validar e verificar se todas as hipóteses levantadas estão de acordo com a realidade ou, até mesmo, se tudo deve ser repensado para uma solução que se adeque melhor ao cliente real. O Design centrado no humano foca em entregar valor antes de pensar em viabilidade e factibilidade.
Na escolha do desafio, costuma-se buscar uma solução para responder questões críticas de negócios, ou seja, não costumam ser soluções fáceis ou simples. No setor de agronegócios isso pode ser desde um problema de transporte a uma busca por formas de monitoramentos mais eficazes, sempre focando no usuário final, que, muitas vezes, acaba apresentando dores não previstas durante a etapa de entendimento.
O conhecimento do produtor e seus colaboradores aliado às metodologias de Design Sprint e ações em equipe durante o processo pode levar a soluções tomadas de formas mais rápidas, eficazes e dinâmicas. Muitas vezes, o destrinchamento de um grande desafio em diversos segmentos pode levar a uma solução a problemas que eram tidos como intangíveis ou que nem eram vistos como problemas.
A inovação nem sempre precisa estar na forma de uma tecnologia de ponta ou um equipamento diferente de todos. Muitas vezes, ela está relacionada aos métodos, processos, visualização e formas de adequação ao usuário final, sendo capaz de trazer muito mais benefícios do que se utilizado um maquinário complicado que poucos entendem do manuseio. A inovação pode ser simples e ser feita por equipes bem–intencionadas com objetivos claros.
O que podemos esperar para o futuro do Agronegócio?
A quarta revolução tecnológica já chegou e seus efeitos começam a ser sentidos nas mais diferentes indústrias, mas ainda há muito a ser caminhado. No Agronegócio, há várias barreiras que precisam ser vencidas ou contornadas para a aplicação das novas tecnologias — baixo uso e disponibilidade de redes de internet em lavouras e pastos, custos de implementação de novos tipos de maquinário e mudanças que devem ocorrer em toda a cadeia produtiva a partir da adoção de novas tecnologias, por exemplo.
Exatamente por isso, é mais crucial do que nunca pensar no agronegócio não a partir de quais das novas tecnologias podem ser implementadas, mas de quais são os desafios e oportunidades que novas tecnologias e processos podem trabalhar nesses negócios. Não basta aplicar novas tecnologias a processos enrijecidos. As tecnologias da quarta revolução tecnológica são disruptivas por natureza, mudando a forma como processos são pensados — há a automatização de vários processos, procurando aumentar a sua efetividade e limitar margens de erro; e mudanças de lógica baseadas em análises de dados, voltadas para processos em que as novas tecnologias da quarta revolução permitem coletar uma quantidade de dados uteis que vão permitir sem dúvida, uma melhor tomada de decisão do produtor.
Assim, da mesma forma que as demais revoluções tecnológicas, a Agricultura 4.0 muda todo o funcionamento do setor agrícola através de novas tecnologias. O que importa é como elas são adotadas — para que seus custos sejam justificados em eficiência, diminuição de gastos e desperdícios — e como essa inovação é feita em cada negócio, de acordo com as suas próprias características.