- 31 de janeiro de 2020
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5 Aplicações de Blockchain no setor de energia elétrica
Em 2008, um artigo publicado por Satoshi Nakamoto apresentava ao mundo a Bitcoin, uma criptomoeda que prometia revolucionar o sistema financeiro. Pouco mais de 10 anos depois, a Bitcoin teve avanços notáveis, tornando-se uma moeda digital acessível a pessoas de todo o mundo, e sua tecnologia subjacente, conhecida como Blockchain, passou a ser explorada em vários outros setores.
Esse artigo aborda aplicações da tecnologia Blockchain para o setor de energia elétrica e mostra como a mesma alinha-se com outras tendências do setor, como a geração de energia limpa e a mobilidade elétrica.
Blockchain e Smart Contracts (Contratos Inteligentes)
De forma simplificada, Blockchain pode ser comparada a um livro razão, como aqueles de cartórios, onde são registradas transações. Entretanto, esse livro razão não está fisicamente localizado num local específico, mas distribuído nos computadores dos usuários do sistema. É como se cada cliente de um cartório tivesse uma cópia digital idêntica do livro razão e todas as alterações numa dessas cópias (por exemplo, para o registro de uma nova transação) fossem automaticamente replicadas para todas as suas cópias. Assim, o Blockchain garante acessibilidade e transparência sobre as informações nele armazenadas.
As informações são armazenadas em blocos encadeados, interligados sequencialmente de forma cronológica, criando um histórico transparente e imutável das transações e registros armazenados. Por exemplo, se utilizarmos Blockchain para armazenar o registro de propriedade de um imóvel, todas as transações de compra e venda desse imóvel seriam armazenadas na sequência, mas não seria possível alterar uma transação passada já registrada. Dessa forma a tecnologia garante a segurança e a imutabilidade dos dados armazenados no Blockchain.
Além disso, Blockchain utiliza mecanismos de consenso, um procedimento em que os elos da rede blockchain chegam a um acordo sobre o estado do livro contábil distribuído para garantir que haja confiança sobre as informações armazenadas no sistema, eliminando a necessidade de uma autoridade central para a validação das informações armazenadas. Voltando ao exemplo do cartório de imóveis, uma solução com Blockchain poderia eliminar a necessidade de cartórios físicos para verificar e efetivar o registro de cada transação. Assim, o Blockchain garante a confiabilidade das informações armazenadas e promove a desintermediação nos processos de negócios, eliminando a necessidade de autoridades centrais (como os cartórios) e, consequentemente, reduzindo o custo associado às operações.
Algumas das características centrais do Blockchain são:
- Acessibilidade e transparência das informações armazenadas de forma distribuída;
- Segurança e imutabilidade dos registros;
- Confiabilidade das informações armazenadas;
- Desintermediação nos processos de negócios;
- Automoação de processos;
- Redução de custos.
Essas características fazem com que ela seja considerada uma tecnologia disruptiva, podendo ser aplicada em diferentes casos de uso relacionados ao registro e a rastreabilidade de ativos (como imóveis, propriedade intelectual, jóias, insumos de produção etc.) que são representados internamente numa plataforma Blockchain como Tokens. A tecnologia Blockchain também pode impulsionar a chamada economia do compartilhamento, auxiliando na criação de soluções para o controle de acesso inteligente à objetos ou recursos compartilhados (como, por exemplo, meios de transporte compartilhados).
Sobre essa infraestrutura distribuída e segura do Blockchain, contratos inteligentes possibilitam a efetivação de transações de forma automática pelo sistema. Os Contratos Inteligentes, segundo o site , podem ser entendidos como trechos de programas (códigos computacionais) que são executados durante a realização de uma transação, sendo assim qualquer contrato capaz de ser executado ou de se fazer cumprir por si só, podendo formalizar negociações entre duas ou mais partes.
Esse mecanismo pode ser utilizado para garantir que termos de contrato e regras de negócio (como preço de um ativo, saldo disponível etc.) sejam automaticamente verificadas pelo Blockchain durante a execução de uma transação, reduzindo custos e aumentando a eficiência desses processos. Tomando como exemplo novamente o caso do registro de imóveis, numa operação de venda de um imóvel, Contratos Inteligentes poderiam realizar a transferência do registro do imóvel para o novo dono após a validação das cláusulas do contrato, como a assinatura do contrato pelas partes envolvidas e transferência dos recursos financeiros da parte compradora.
Aplicações no setor de energia elétrica
A tecnologia Blockchain também tem sido aplicada ao setor de energia elétrica, explorando as características da tecnologia para criar novos modelos de negócios ou mesmo para melhorar a eficiência de processos atuais. Listei 5 aplicações da tecnologia Blockchain e seus casos de uso no setor de energia.
1- Comercialização de energia de geração distribuída P2P
Esse provavelmente é um dos casos de uso mais conhecidos do uso de Blockchain no setor de energia elétrica. A ideia aqui é permitir que a energia distribuída, gerada, por exemplo, através de painéis solares, possa ser comercializada diretamente (ponto-a-ponto, ou P2P) entre produtores e consumidores, sem o controle direto por parte da concessionária.
O conceito foi aplicado pela primeira vez em 2016 num projeto piloto implantado no bairro do Brooklyn, em Nova York. O sistema permitiu a primeira comercialização direta de energia solar utilizando Blockchain. A tecnologia utilizada no projeto foi um Blockchain de código aberto chamado Ethereum e a transmissão da energia entre participantes do projeto se deu através de um microgrid da empresa LO3 Energy, uma startup dos EUA.
2- Mobilidade Elétrica
Blockchain pode ser utilizada no contexto de recarga de veículos elétricos, possibilitando que as transações de energia, assim como os pagamentos, possam ser realizados através dessa plataforma distribuída.
Share&Charge é um piloto de uma Plataforma Aberta de Recarga (ou ou Open Charging Network, OCN) de veículos elétricos, desenvolvido pela startup alemã MotionWerk, que utiliza a tecnologia de Blockchain. Empresas operadoras de pontos de recarga (ou proprietários de eletropostos privados) podem disponibilizar sua infraestrutura de recarga na plataforma, ao passo que motoristas podem utilizar o aplicativo da plataforma para encontrar um eletroposto, realizar a operação de recarga e o pagamento com uma moeda virtual própria da plataforma.
3- Certificados de Origem
Outra aplicação de Blockchain no setor de energia está relacionada a sua utilização para o registro da energia renovável, que atualmente é feita através de Certificados de Energia Renovável (ou REC, Renewable Energy Certificates). A utilização de Blockchain e Contratos Inteligentes poderia tornar o registro e a rastreabilidade da energia renovável mais automatizada, reduzindo os custos associados com o processo.
A EWF (Energy Web Foundation), um consórcio de empresas que produz soluções baseadas em Blockchain para o setor de energia, criou o EW Origin, um toolkit de código aberto para a certificação de origem de energia renovável.
4- Comercialização de energia no atacado
O Mercado Atacadista de Energia (MAE) é o ambiente no qual são negociados grandes volumes de energia, tipicamente entre geradoras, transmissoras e distribuidoras (no Brasil estendendo-se também ao varejo, através do chamado Mercado Livre de Energia). Trata-se de um processo de negociação e comercialização complexo, envolvendo aspectos técnicos, institucionais, legais e regulatórios, que são particulares do sistema elétrico de cada país.
No Brasil, a CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), realiza a liquidação dos contratos de compra e venda, trabalhando de forma coordenada com o Operador Nacional de Sistema Elétrico (ONS) na definição e ajustes dos preços e executando leilões de energia para entrega futura.
Nesse cenário, Blockchain poderia ser utilizada para automatizar os processos de comercialização de energia através de Contratos Inteligentes, possibilitando a maior eficiência dos processos, com a redução do tempo de processamento para a liquidação dos contratos e menor custo do processo como um todo.
O Energychain, um projeto da empresa PONTON apoiado por 40 concessionárias de energia europeias, utiliza a tecnologia Blockchain para criar uma infraestrutura descentralizada para a comercialização de energia no atacado. O projeto entrou em operação em 2019 e deve facilitar a comercialização não apenas de energia elétrica, mas também de outras comodities, como óleo e gás.
5- Otimização de processos de backoffice
A aplicação de Blockchain também tem sido considerada para melhorar a eficiência de processos de backoffice de empresas do setor de energia, fazendo uso de Contratos Inteligentes para automatizar parte desses processos, tais como Faturamento (automação da geração do faturamento de consumidores e cálculo de crédito de energia para geradores distribuídos), Gestão de Ativos (registro de ativos do sistema elétrico, incluindo recursos energéticos distribuídos), Gestão de Segurança (proteção da privacidade e confidencialidade dos dados de cliente, fornecedores e parceiros), entre outros aspectos operacionais.
Os casos de uso acima mostram que Blockchain pode ter um papel bastante relevante no setor de energia, potencialmente habilitando novos modelos de negócios, ou melhorando a eficiência de processos existentes. Entretanto, vale notar que, a aplicação da tecnologia no setor ainda é embrionária, com projetos pilotos e experimentos sendo colocados em prática, mas ainda sem uma adoção mais ampla da tecnologia.
Segundo artigo publicado pela Forbes, o melhor entendimento da tecnologia, dos custos associados a sua implantação, e outras questões como escalabilidade ainda precisam ser respondidas para a viabilização de aplicações comerciais com Blockchain no segmento de energia.
Em se tratando de um setor essencial para a sociedade, a regulamentação também deve ser adaptada, visando habilitar novos modelos de negócios criados pela tecnologia, mas sem comprometer a segurança, a qualidade e a confiabilidade do sistema elétrico.